2 de out de 2024 às 16:25
Os delegados chegaram a Roma. As mesas redondas estão montadas na Aula Paulo VI. E a sessão final do Sínodo da Sinodalidade começou.
A Igreja está no meio do processo sinodal há tanto tempo que pode ser fácil esquecer quão gigantesco é o projeto.
O sínodo exigiu não só investimentos significativos de tempo, atenção e recursos financeiros incalculáveis, mas também um esforço concentrado para definir a sinodalidade teologicamente e colocar em prática programas práticos para implementá-la.
Claramente, um grande empurrão foi necessário para colocar em movimento o atual curso de ação, que não apenas levou à sessão culminante deste mês, mas pode muito bem tornar todas as coisas sinodais uma característica contínua da vida católica.
O fator mais decisivo para fazer essa bola da sinodalidade rolar foi um curto discurso papal proferido há nove anos.
Um discurso ‘marco’
Em 17 de outubro de 2015, o papa Francisco falou aos participantes do Sínodo da Família, o primeiro Sínodo dos Bispos convocado por ele, marcando o 50º aniversário da criação do Sínodo dos Bispos pelo papa são Paulo VI.
Com pouco menos de 2,3 mil palavras, o discurso do papa não foi especialmente longo. Na verdade, foi mil palavras mais curto do que o que Francisco fez um mês antes, no Congresso dos EUA em Washington D.C.
Também não foi a primeira vez que o papa usou o termo “sinodalidade”. A palavra foi usada uma vez, por exemplo, na exortação apostólica de Francisco de 2013, Evangelii Gaudium , e foi utilizada em entrevistas papais ocasionais.
Mas o discurso de 2015 foi diferente. Ele não apenas mencionou a sinodalidade. Ele a chamou de “um elemento constitutivo da Igreja”.
A sinodalidade, definida pelo papa como um “caminhar juntos”, foi o foco de todo o discurso, e Francisco deu uma imagem de como seria uma Igreja reconfigurada ao longo de suas linhas: uma “pirâmide invertida”, onde a divisão pós-concílio de Trento (realizado entre 1545 e 1563) entre uma hierarquia que ensina e e leigos que aprendem seria superada, a autoridade seria descentralizada e o “senso de fé” do povo de Deus seria central na tomada de decisões e no discernimento da Igreja.
Ao citar a consulta aos leigos no Sínodo da Família como uma instância de sinodalidade e dizer que a prática é o que “Deus espera da Igreja do terceiro milênio”, o discurso de Francisco foi um programa de reforma da Igreja.
Definindo ‘Sinodalidade’
Depois do discurso de Francisco, o uso do termo “sinodalidade”, antes pouco usado, disparou.
Segundo o motor de busca online Google Books Ngram Viewer, a taxa de uso de textos em inglês aumentou 260% de 2015 a 2019. Resultados semelhantes ocorreram nos países de língua espanhola , francesa e italiana .
Ao falar em 2016 sobre um desses novos textos teológicos sobre sinodalidade, mas aplicável à maioria dos escritos sobre o gênero, o ex-secretário geral do Sínodo dos Bispos, cardeal Lorenzo Baldisseri, identificou o discurso de Francisco de 2015 como o “ponto de partida”.
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Rafael Luciani é outro teólogo que desempenhou um papel importante na luta para definir a sinodalidade e agora serve como especialista no sínodo. O venezuelano, que recentemente disse que mudar a governança da Igreja no sínodo abrirá a porta para mudanças doutrinárias, escreveu ou editou pelo menos nove livros sobre sinodalidade desde 2015. Em outro sinal de sua influência no processo, Luciani serviu como diretor de tese para a subsecretária do sínodo, a irmã Nathalie Becquart, em seus estudos de 2019-2020 sobre o tópico no Boston College, nos EUA.
Respondendo ou reformulando a marca?
Mas, embora o trabalho recente desses teólogos sobre sinodalidade seja frequentemente apresentado como uma resposta orgânica ao discurso do papa Francisco, em muitos casos as ideias teológicas que eles apresentaram são anteriores ao discurso de 2015.
O teólogo australiano e especialista em sínodos, padre Ormond Rush, é autor de um dos relatos mais citados sobre sinodalidade, o artigo de 2017, “Inverting the Pyramid: The Sensus Fidelium in a Synodal Church ” (Invertendo a Pirâmide: O Sensus Fidelium numa Igreja Sinodal, em tradução livre). O padre Rush baseia seu relato no discurso do papa Francisco de 2015 — mas muitos dos argumentos e temas do australiano já estão explícitos em seu livro de 2009, The Eyes of Faith: The Sense of the Faithful and the Church’s Reception of Revelation (Os Olhos da Fé: O Senso dos Fiéis e a Recepção da Igreja da Revelação, em tradução livre), bem antes de Francisco ser eleito, e muito menos de falar sobre a “sinodalidade”.
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Na verdade, o artigo de 2015 é, de muitas maneiras, a repetição da tese antiga do padre Rush sobre a necessidade de avaliar o sensus fidelium para que as autoridades da Igreja ensinem legitimamente. Essa ideia agora é uma questão-chave defendida pelo papa.
A impressão que dá é que, em vez de oferecer uma nova teologia, muitos especialistas simplesmente apresentaram seus antigos projetos teológicos sob a nova marca de “sinodalidade”.
Outros disseram que muitas das ideias que sustentam muitos dos documentos oficiais do sínodo, como o Instrumentum Laboris da sessão deste, devem-se particularmente ao jesuíta Karl Rahner, o teólogo alemão que foi o mais influente no Concílio Vaticano II.
“Numerosas afirmações importantes no texto só fazem sentido à luz de uma compreensão rahneriana da revelação e da experiência espiritual, ou algo próximo disso”, disse o padre dominicano Bernhard Blankenhorn ao jornal National Catholic Register, da EWTN, ao citar “a noção de uma revelação contínua na experiência dos crentes hoje, noção que pode justificar a reversão de dogmas previamente definidos” como exemplo.
O padre Blankenhorn, teólogo dogmático da Universidade de Friburgo, Suíça, sugeriu que o grupo de especialistas teológicos que orienta o Sínodo da Sinodalidade não representa a amplitude da teologia da Igreja. Ele disse que o papa são João XXIII ampliou as perspectivas teológicas dos envolvidos na preparação dos principais rascunhos dos documentos do Vaticano II depois de alguns bispos pedirem que “a rica amplitude da teologia católica fosse representada” naquela comissão em particular.
“Gostaria que o papa Francisco fizesse o mesmo neste sínodo”, disse o dominicano ao National Catholic Register.
O próprio padre Blankenhorn publicou um artigo acadêmico sobre sinodalidade (em inglês) numa edição recente da revista de teologia católica The Thomist. Seu artigo apresenta uma compreensão do “sensus fidei” que contrasta com a do padre Rush.
Mas a contribuição do padre Blankenhorn só foi divulgada no ano passado — bem depois de pessoas como Wijlens, Luciani e o padre Rush já terem apresentado suas próprias definições de sinodalidade e, posteriormente, terem sido escolhidos como consultores especialistas para o sínodo dedicado ao tema.
O padre dominicano não está na lista de especialistas teológicos para a sessão deste mês.
Momento crescente
Enquanto um certo grupo de teólogos trabalhou para definir a sinodalidade nos anos imediatamente posteriores a 2015, uma série de movimentos importantes da Santa Sé em 2018 se basearam no impulso iniciado com o discurso de Francisco.
Em segundo lugar, o papa Francisco emitiu em 2018 a Episcopalis Communio , nova constituição apostólica que reforçou a autoridade do Sínodo dos Bispos.
E, finalmente, a sinodalidade foi amplamente citada no documento final do Sínodo dos Jovens, embora o tópico não tenha sido um ponto de discussão entre os padres sinodais e provavelmente tenha sido adicionado pelos organizadores.
Cada uma dessas etapas ajudou a pavimentar o caminho para o anúncio do papa Francisco, em 17 de fevereiro de 2020, do Sínodo da Sinodalidade, com a duração de vários anos e composto de várias etapas que agora estão quase concluídas.
Além de textos, há programas de treinamento montados para implementar a sinodalidade como o papa a entende.
Com base em como a sinodalidade avançou na Igreja desde o discurso histórico do papa Francisco, nove anos atrás, uma coisa parece certa: quando uma nova etapa é tornada pública, algum grupo provavelmente já começou a implementá-la.