29 de set de 2024 às 11:13
O papa Francisco encontrou-se com os estudantes da Universidade Católica de Lovaina ontem (28), no terceiro dia da sua visita apostólica a Bélgica.
Confira abaixo o discurso do papa Francisco:
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Obrigado, Senhora Reitora, pelas suas amáveis palavras. Queridos estudantes, estou feliz por vos encontrar e por ouvir as vossas reflexões. Nelas encontro paixão e esperança, desejo de justiça, procura de verdade.
Nós, cristãos, sabemos que ao mal não cabe a última palavra – e sobre isso devemos estar seguros: o mal não tem a última palavra – e que ele tem, como se costuma dizer, os dias contados. Tal não diminui o nosso compromisso, muito pelo contrário, aumenta-o: a esperança é uma das nossas responsabilidades. Uma responsabilidade a ser assumida pois a esperança jamais decepciona. E esta certeza vence aquela consciência pessimista, ao estilo da Turandot (personagem principal da ópera homônima) … a esperança jamais decepciona!
E agora, três palavras: gratidão, missão, fidelidade.
A primeira atitude é a gratidão, porque esta casa foi-nos dada: não somos donos, somos hóspedes e peregrinos sobre a terra. O primeiro a tratar dela é Deus. Nós, antes de mais, somos alvo dos cuidados de Deus, que criou a terra – diz Isaías – “não como uma região caótica, mas pronta para ser habitada” (cf. Is 45, 18). O salmo oitavo está repleto de gratidão maravilhada: «Quando contemplo os céus, obra das tuas mãos, / a Lua e as estrelas que Tu criaste: / que é o homem para te lembrares dele, / o filho do homem para com ele te preocupares?» (Sl 8, 4-5). A oração que me brota do coração é: Obrigado, ó Pai, pelo céu estrelado e pela vida no Universo!
Eis aqui o desafio do desenvolvimento integral, que exige a terceira atitude: a fidelidade. Fidelidade a Deus e fidelidade ao homem. Na verdade, este desenvolvimento diz respeito a todas as pessoas em todos os aspectos da sua vida: físico, moral, cultural, sociopolítico; e opõe-se a qualquer forma de opressão e de descarte. A Igreja denuncia estes abusos, empenhando-se, antes de mais, na conversão de cada um dos seus membros, de nós próprios, à justiça e à verdade. Neste sentido, o desenvolvimento integral apela à nossa santidade: é vocação para uma vida justa e feliz, para todos.
Agora, a opção a fazer está, pois, entre manipular a natureza ou cultivá-la. Assim é a opção: manipulo a natureza ou a cultivo. A começar pela nossa natureza humana – pensemos na eugenia, nos organismos cibernéticos, na inteligência artificial. A opção entre manipular ou cultivar diz também respeito ao nosso mundo interior.
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Não é o consenso nem são as ideologias que sancionam o que é caraterístico da mulher, o que é feminino. A dignidade é assegurada por uma lei original, escrita não no papel, mas na carne. A dignidade é um bem inestimável, uma qualidade original, que nenhuma lei humana pode dar ou tirar. A partir desta dignidade, comum e partilhada, a cultura cristã elabora sempre de novo, em diferentes contextos, a missão e a vida do homem e da mulher e o seu mútuo ser um para o outro, em comunhão. Não um contra o outro – isto seria feminismo ou machismo – e não com reivindicações opostas, mas o homem pela mulher e a mulher pelo homem, juntos.
Vós próprios estais aqui para crescer como mulheres e como homens. Enquanto pessoas, estais a caminho, em formação. É por isso que o vosso percurso académico abrange diferentes âmbitos: investigação, amizade, serviço social, responsabilidade civil e política, expressão artística…
Como estudar: como em qualquer ciência, não existe apenas um método, mas também um estilo. Cada um pode cultivar o seu. Efetivamente, o estudo é sempre um caminho para o conhecimento de si mesmo e dos outros. Mas há ainda um estilo comum que pode ser partilhado na comunidade universitária. Estuda-se em conjunto: com aqueles que chegaram antes de mim – professores, colegas mais adiantados –, e com aqueles que estão ao meu lado, na sala de aula. A cultura enquanto autocuidado implica cuidarmos uns dos outros. Não existe uma guerra entre estudantes e professores, mas o diálogo. Às vezes é um diálogo um pouco intenso, mas é diálogo que faz crescer a comunidade universitária.
Terceiro: para quem estudar. Para si próprio? Para prestar contas aos outros? Estudamos para poder educar e servir os outros, antes de mais com o serviço da competência e da autoridade. Em vez de nos perguntarmos se estudar serve para alguma coisa, preocupemo-nos em servir alguém. Uma bela pergunta que o estudante universitário pode propor-se: A quem sirvo? A mim mesmo? Ou tenho o coração aberto para um outro serviço? Então, o grau universitário atesta aptidão para o bem comum. Estudo para mim, para trabalhar, para ser útil, para o bem comum. E tudo isto deve ser muito balanceado.
Queridos estudantes, é para mim uma alegria partilhar convosco estas reflexões. Ao fazê-lo, apercebemo-nos de que há uma realidade maior que nos ilumina e ultrapassa: a verdade. “O que é a verdade?” Pilatos formulou esta pergunta. Sem a verdade, a nossa vida perde sentido. O estudo faz sentido quando procura a verdade, quando busca encontrá-la, mas com senso crítico. Para encontrar a verdade é necessário ter senso crítico, assim podemos avançar. O estudo faz sentido quando procura a verdade, não o esqueçais. E, ao procurá-la, compreende que fomos feitos para a encontrar. A verdade deixa-se encontrar: é acolhedora, disponível e generosa. Se renunciarmos a procurar juntos a verdade, o estudo torna-se um instrumento de poder, de controlo sobre os outros. Confesso-vos que me entristece quando encontro, em qualquer parte do mundo, universidades que preparam os estudantes somente para lucrar ou ter poder. Isso é exageradamente individualista, não comunitário. A alma mater é a comunidade universitária, a universidade, aquilo que nos ajuda a construir a sociedade, a construir fraternidade. Não serve o estudo sem (buscar a verdade) ao mesmo tempo, não serve, mas domina. Pelo contrário, a verdade torna-nos livres (cf. Jo 8, 32). Caros estudantes, quereis a liberdade? Sede buscadores e testemunhas da verdade! Procurai ser credíveis e coerentes através das escolhas quotidianas mais simples. Assim, esta torna-se, todos os dias, aquilo que quer ser: uma Universidade Católica! Segui em frente e não entreis em lutas com as dicotomias ideológicas. Não esqueçais: a Igreja é mulher e (saber) isto nos ajudará muito.
Obrigado por este encontro. Obrigado a ti que fostes corajosa! Ao vosso caminho de formação e a todos vós, de coração abençoo. E peço-vos, por favor que rezeis por mim. E se alguém não reza ou não sabe rezar ou não quer rezar, pelo menos mande-me “boas ondas”, que são necessárias. Obrigado!