Outubro Rosa: o feminino em questão



O movimento conhecido como Outubro Rosa nasceu nos Estados Unidos, na década de 90, para estimular a sociedade no controle do câncer de mama.

Juliara Machado Goulart – Psicóloga

Consideramos, a medicina e os estudiosos e clínicos da área psíquica, que o homem e a mulher são diferentes. Diferentes na anatomia, na fisiologia, na constituição psíquica da sexualidade e nas culturas sociais de vários ou todos os locais do planeta. Que são absolutamente iguais em natureza humana, nisso incluindo o aparelho psíquico, e os direitos civis. A qualquer um dos gêneros normalmente nada falta ou excede algo que os determine homem e mulher no seu nascimento.

No entanto, historicamente, certas diferenças anatômicas e funcionais serviram de justificativa para a superioridade do homem e a inferioridade da mulher na vida individual, familiar, social e laboral. Diferenças tais como a força muscular masculina, que é superior à feminina, se avaliarmos homens e mulheres no mesmo nível de exercícios musculares. Daí que os Jogos oficiais ou qualquer esporte e atletismo são separados em equipes femininas e masculinas. Também a fisiologia das diferenças hormonais ligada aos gêneros influencia em respostas diferentes para cada uma dessas atividades, além de algumas funções laborais que dependem principalmente do corpo, seja pela força/fisiologia masculina ou seja pela leveza e detalhes da força/fisiologia feminina. O cérebro masculino é cerca de 10% maior em volume que o cérebro feminino, devido justamente pela estrutura anatômica do corpo masculino, porém em nada difere na estruturação e funções do cérebro feminino, ou seja, essa diferença é proporcional ao corpo e não funcional. Ambos os gêneros possuem as mesmas funções e as mesmas habilidades  cognitivas.

Poderíamos nos deter em muitos anos de pesquisa e citar vários pesquisadores ao longo da História, no entanto, nosso objetivo aqui é falar acerca do feminino na própria mulher, o seja, o quê a mulher, a grande maioria delas, reconhece como feminino em si mesma.

Antes ainda da menarca (a primeira menstruação), o corpo da pré-adolescente alonga-se, a curvatura do quadril começa, o mamilo aumenta e começa a constituição do volume glandular da mama. Isso quer dizer, que antes que uma menina se torne mulher, com aptidão à concepção, recebe como evidência a glândula mamária como sinal de seu corpo feminino. A glândula vai desenvolvendo-se assim como todo o aparelho reprodutor…porém é ela o primeiro sinal visível da sua formação de um corpo de mulher, um corpo feminino. Muito antes que as glândulas mamárias exerçam a função do aleitamento à prole, elas já foram internalizadas psiquicamente como sua marca de mulher. Tanto é que, mulheres que posteriormente decidem-se por uma transição do corpo feminino para o masculino, atuam primeiramente, por hormônios masculinos e cirurgias, para extirpar esse sinal do corpo feminino, as mamas.

A púbere que aceita e sente-se num corpo de mulher ao qual pertence, desde cedo sensualiza a mama como parte de seu todo feminino. É sim sinal visível de um corpo de mulher. E, dessa forma, antes do útero e os ovários estarem plenamente desenvolvidos, essa chamada ‘característica secundária’ (a primária é interna com a liberação dos hormônios apropriados) , reflete para a própria menina que ela se reconheça como mulher e siga uma trajetória pessoal, familiar e social com essa identidade sexual que ela aceitou.

Agora podemos avançar e entender melhor o que a mama feminina representa para uma mulher. Problemas ou disfunções mamárias tocam na insegurança do âmago do seu feminino para si mesma, que dirá se for anunciada portar um câncer de mama com a grande possibilidade dessa mama ser retirada.

O diagnóstico de câncer de mama, seja no homem ou na mulher (o homem tem mama, porém não visivelmente desenvolvida como a mulher, a qual terá a função do aleitamento) traz em si o medo de morrer. Para a mulher, além do medo de morrer traz o medo de perder sua feminilidade, já que esse foi o primeiro sinal que ela incorporou como ser uma mulher. O câncer de útero e ovários atinge o feminino enraizado na mulher quando ela deseja ter filhos e ainda não os teve, do contrário, geralmente, resta-lhe o medo maior da possibilidade de morte do que a perda da feminilidade, já que a sensibilidade no ato sexual tem mais a ver com o clitóris e com as paredes do canal vaginal do que com o útero, o que lhe faz menos temer a perda da sua feminilidade.

O movimento conhecido como Outubro Rosa nasceu nos Estados Unidos, na década de 90, para estimular a sociedade no controle do câncer de mama. Atualmente a data é celebrada em diversos países, com a maior finalidade de rastrear o diagnóstico a partir de exames de imagem incluídos na revisão ginecológica de rotina e diagnosticado por um médico mastologista. O diagnóstico precoce salva vidas e , em alguns casos, até mesmo a retirada radical da mama. Caso a mama precise ser extirpada, será possível sua restauração com prótese, tal a importância para a mulher da mama como sua imagem de um corpo de mulher feminino.

‘Mulher: seu corpo, sua vida’. Esse é o tema da campanha do Ministério da Saúde nesse ano de 2024. Apesar de haver um mês dedicado a esse tema, o Ministério da Saúde e os profissionais da saúde física e psíquica desejam que todos os meses do ano as mulheres recebam assistência médica e psicológica para uma saúde feminina integral.

Um breve fragmento clínico do atendimento psicológico com uma mulher portadora do câncer de mama.

A paciente, que aqui darei o nome fictício de Regina, procurou o acompanhamento psicológico no tempo do seu processo de preparação para a retirada da  segunda mama, devido à metástase do câncer. Na primeira vez, ela lutou enfaticamente para que a mama fosse retirada parcialmente. O médico sugeriu retirar toda a mama afetada e também a outra como prevenção, mas ela se recusou. Após oito anos em revisão e algumas medicações, o restante da primeira mama apresentou câncer, assim como a outra também. Seria necessário uma mastectomia radical e bilateral. Assim Regina chega para o acompanhamento psicológico dizendo ‘Vim me preparar psicologicamente para perder o que me resta de ser mulher.”

O tratamento transcorreu na direção de ela enxergar-se como um ser todo e que a sexualidade feminina ia muito mais além do que a perda das mamas. Mas, para chegar a isso, ela mesma veio trazendo seu crescimento de menina à mulher, nos bons acontecimentos e nos traumáticos, incluindo a sua prostituição de luxo pela própria mãe. Regina saiu de casa, arranjou um emprego, não se prostituiu, estudou, fez faculdade, concurso e diz ter salvado a si mesma. Com o tempo casou e teve uma filha.

Durante nosso trabalho, Regina tinha muito mais que elaborar a perda das mamas, mas fazer o luto de uma mãe internalizada como destruidora da sua genuína feminilidade. Regina já havia ressignificado suas mamas de objeto de venda para à ‘santidade’, assim ela chamava, por ter amamentado sua filha até os dois anos. Regina passou do inferno de possuir no sinal feminino das mamas um objeto de venda e uso para o ato sublime da maternidade. E Regina temia muito mais deixar de ser mãe do que de ser mulher. Como se fosse perder a parte pura, bonita do ‘ser mulher’. Na verdade, ela foi violentada na sua feminilidade genuína e a restaurou através do seio amamentando, proporcionando vida, a maternidade através da amamentação.

Após 3 meses desse trabalho, Regina permite a cirurgia. Telefona pra mim antes de entrar no Centro Cirúrgico, telefona quando vai ter alta do hospital e, acima de tudo, me telefona para que eu vá falando com ela e ela comigo a primeira vez, após alguns dias, que ela própria teve coragem de retirar as bandagens e se olhar no espelho.

Alguns meses depois, Regina já bem melhor, recebe a notícia que será avó de gêmeos da única filha que ela tem. Durante os meses da gestação da filha, Regina me diz “ Estou me sentindo mulher novamente, vou ser avó…duplamente”

A feminilidade começada pelo sinal dos seios se formando, é para a mulher algo incomparável e nem sempre compreendido. No entanto, mesmo pelo Sistema Único de Saúde (SUS), hoje temos um grande número de mamas reconstruídas como cirurgia reparadora após a mastectomia. Esse respeito e dignidade com a mulher significa um respeito e uma dignidade de todo o ser humano que a mulher é.



Fonte (Vatican News)

Estamos reproduzindo um artigo do site Vatican news.

A opinião do post não é necessariamente a opinião do nosso blog!

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