2025 marca o vigésimo aniversário do falecimento do poeta e escritor cabo-verdiano, Manuel Lopes, cofundador da revista “Claridade”. Tinha 98 anos e ficou na história como um arauto do modernismo na literatura de Cabo Verde. O seu rico percurso é traçado, em jeito de crónica, por Filinto Elísio, enquanto que a Professora, Fátima Fernandes tece considerações sobre a sua escrita.
Dulce Araújo – Vatican News
Manuel Lopes faleceu a 25 de janeiro de 2005, em Lisboa. O seu nome permanece para sempre ligado à revista “Claridade” de que foi, juntamente com Baltazar Lopes e Jorge Barbosa, o fundador. Foi na ilha de São Vicente, em março de 1936. A linha de orientação da revista era escrever sobre assuntos relativos a Cabo Verde, onde secas e fomes causavam grandes mortandades. Manuel Lopes descreveu melhor do que ninguém essa realidade particularmente nos livros “Os Flagelados do Vento Leste” e “Chuva Braba”. Um contexto que exigia novas relações entre a Metrópole portuguesa e a então colónia de Cabo Verde. Algo que animava os chamados Claridosos, decididos a olhar para as especificidades cabo-verdianas e a fazê-las valer. Embora não falassem em autodeterminação do país, ou em independência, há quem considere que foram capazes de dizer, através da literatura, o que convinha à população que dela fosse dito para se realizar como nação-Estado. O que virá a acontecer décadas mais tarde com Amílcar Cabral e companheiros.
Conheça melhor a vida e obra de Manuel Lopes nesta crónica que Filinto Elísio, da Rosa de Porcelana Editora, traçou para a nossa emissão semanal “África em Clave Cultural: personagens e eventos”
Crónica
“Manuel Lopes, ficcionista, poeta e ensaísta, foi é uma das mais proeminentes figuras da literatura cabo-verdiana
Nasceu Manuel António dos Santos Lopes, na ilha de São Vicente, embora haja que defenda ter autor nascido na ilha de São Nicolau, a 23 de Dezembro de 1907.
Estudou no colégio de S. Pedro e na Escola Comercial em Coimbra. Em 1923 estava de novo em Cabo Verde. Publicou os seus primeiros trabalhos literários no Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro e colaborou nos jornais Notícias de Cabo Verde e Ressurgimento.
Regressou a Cabo Verde e empregou-se como telegrafista na Italcable e, com o fecho desta companhia devido à II Guerra Mundial, passou a tesoureiro da Câmara Municipal de S. Vicente, depois empregou-se de novo como telegrafista na companhia britânica Western Telegraph (onde já tinha estado antes da Italcable) primeiro na ilha de S. Vicente, depois (1944) na cidade da Horta, ilha do Faial nos Açores, e por último, em 1956, foi transferido para os escritórios de Carcavelos, Cascais, Portugal, onde se reformou e passou a viver.
Foi, juntamente com Jorge Barbosa e Baltasar Lopes, fundador e colaborador da revista Claridade, nascida em 1936, da qual foi o primeiro diretor e que mudou o paradigma literário e cultural em Cabo Verde.
Segundo o académico Alberto Carvalho, “Claridade foi capaz de dizer, mediante uma ética que reelaborou o conceito de artista da palavra, o que convinha à população que dela fosse dito para se realizar como nação-Estado. A demora em percorrer esse percurso de soberania, (…) vem a ser assim um dos significantes da permanência do espírito de realismo vivo que foi enformando e readaptando a revista a sucessivas gerações de colaboradores.”
Para além da poesia, Manuel Lopes escreveu também contos, romances e ensaios.
Os seus romances, Chuva Braba (1956) e Flagelados do Vento Leste (1959) são referências maiores na literatura cabo-verdiana.
Manuel Lopes publicou também Galo Cantou na Baía (1959), entre novela e contos. Como ensaísta escreveu Monografia Descritiva Regional e Paul (1932), Os Meios Pequenos e a Cultura (1951), Reflexões sobre a Literatura Cabo-verdiana ou a Literatura nos Meios Pequenos (1959) e Considerações Sobre as Personagens de Ficção e Seus Modelos (1973).
A nível da poesia, Manuel Lopes publicou Horas Vagas (1934), Poemas de Quem Ficou (1949), Crioulo e Outros Poemas (1964) e Falucho Ancorado (1997).
Foi laureado com Comendador da Ordem do Mérito, (em 1997) e Comendador da Ordem do Infante D. Henrique (em 2000). Recebeu o Prémio Fernão Mendes Pinto pelo romance Chuva Braba (em 1956) e em 1959 pelo livro de contos O Galo que Cantou na Baía (em 1959), para além do Prémio Meio Milénio do Achamento de Cabo Verde pelo romance Os Flagelados do Vento Leste (em 1959).
Em 2003, Manuel Lopes foi homenageado na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa pelo Instituto Camões, no âmbito do projeto “Pontes Lusófonas”.
Faleceu em Lisboa, no dia 25 de Janeiro de 2005, aos 98 anos.“
Para a Professora, Fátima Fernandes, docente da Uni-CV e estudiosa de literatura cabo-verdiana do século XIX aos nossos dias, Manuel Lopes constitui uma referência extremamente importante no percurso da literatura moderna de Cabo Verde. Ele faz parte – sublinha – da geração claridosa, a primeira a apresentar um projeto literário com objetivos claros, ao ponto de se considerar que a literatura cabo-verdiana terá nascido com a Claridade.
Fátima Fernandes não deixa, todavia, de nomear os de antes, tais como Eugénio Tavares, José Evaristo de Almeida, Januário Leite e outros, que passaram a estafeta aos claridosos.
Para além de fazer parte e de ter tido um papel fundamental nessa importante revista literária, Manuel Lopes é, no olhar desta docente universitária, uma figura singular e multifacetada: poeta, jornalista, pintor, contista, romancista que marcou por cerca de meio século a literatura de Cabo Verde. Fátima Fernandes que diz nunca se ter sentido tão tocada enquanto leitora por uma obra como “Flagelados do Vento Leste” mostra como o autor desta obra soube captar a identidade crioula na sua relação telúrica com o território arquipelágico.
Ouça aqui as suas palavras
Fonte (Vatican News)
Estamos reproduzindo um artigo do site Vatican news.
A opinião do post não é necessariamente a opinião do nosso blog!