O Papa Francisco tinha um grande amor pela África e pelos africanos. Deixa um legado de compromisso com a procura de paz, justiça social e desenvolvimento integral em África. Para coroar tudo isso, a solidariedade do Papa para com os africanos refugiados e migrantes, pobres e marginalizados permanecerá.
Paul Samasumo – Cidade do Vaticano
A África está de luto, não apenas pela perda do líder espiritual para os católicos, mas também pelo homem que não teve medo de defender as causas impopulares em relação aos africanos, geralmente ignoradas pelos meios de comunicação social. Estas incluem histórias de vulnerabilidade do continente tais como conflitos, exploração, pobreza e doenças.
Acolher, acompanhar, apoiar e integrar
É como se o tema da migração tivesse escolhido o Papa Francisco. A sua primeira viagem fora de Roma, em julho de 2013, foi à ilha italiana de Lampedusa, onde muitos jovens migrantes africanos tinham morrido num naufrágio no Mar Mediterrâneo enquanto tentavam alcançar as costas da Europa.
Num altar erguido sobre os restos de um barco, pintado, o Papa Francisco proclamou: “Neste mundo globalizado, caímos na indiferença globalizada”. “Acostumamo-nos ao sofrimento dos outros: isso não me afeta; não me diz respeito; não é da minha conta!” Anos depois, após Lampedusa, o Papa Francisco defenderia repetidamente que “os migrantes devem ser acolhidos, acompanhados, apoiados e integrados nas comunidades de acolhimento”. Era uma mensagem nada popular para muitos na Europa, mas o Santo Padre repetia-a sem parar.
Compromisso Missionário com Moçambique
Quando o futuro Papa Francisco, o então Arcebispo Jorge Mario Bergoglio, se tornou Arcebispo Metropolitano de Buenos Aires, na Argentina, em 1998, ele continuou com grande fervor o compromisso de enviar padres missionários argentinos a Moçambique, para Diocese de Xai-Xai. Isso foi em resposta a um apelo do Bispo Júlio Duarte Langa, prelado moçambicano daquela Diocese. O Bispo Langa foi posteriormente nomeado Cardeal em 2015.
Visitas Apostólicas Memoráveis à África
As viagens do Papa Francisco à África foram memoráveis e históricas, demonstrando o seu respeito e preocupação pelo continente. Talvez nada melhor ilustre essas viagens do que a sua primeira visita africana em 2015, ao Quênia, Uganda e à República Centro-Africana (RCA). Na época, a visita a este último país, foi considerada não apenas perigosa, mas também referida pela comunicação social como o “maior risco de segurança do seu papado”. Outros até a consideraram uma aventura temerária.
Apesar da grave violência que afetava aquele país, o Papa Francisco desembarcou na RCA a 29 de novembro de 2015. Ele rejeitou as sugestões de usar um colete ou um escudo à prova de balas no papamóvel durante a sua visita.
O autor deste artigo estava, entre outros jornalistas, naquela viagem papal e viu o Papa Francisco ir a um encontro com a comunidade muçulmana na mesquita central de Koudoukou, em Bangui. Na época, aquela parte da cidade, PK5, era considerada uma área proibida a não muçulmanos. Apesar disso, o imã-chefe da mesquita, Tidiani Moussa Naibi, acolheu calorosamente o Papa e agradeceu a visita. Não houve qualquer hostilidade.
Durante o seu pontificado, o Santo Padre viajou para o Quênia, Uganda, República Centro-Africana, Egito, Marrocos, Moçambique, Madagáscar, República Democrática do Congo e Sudão do Sul. A sua visita ao Sudão do Sul ocorreu na companhia do Arcebispo Anglicano de Canterbury e do Moderador da Igreja da Escócia. Na costa leste africana, o Papa Francisco também visitou as Ilhas Maurícias durante a mesma viagem apostólica a Moçambique e Madagascar.
Nessas viagens à África, o Papa Francisco falou apaixonadamente sobre paz, reconciliação e justiça social, destacando a resiliência do povo africano, apesar das muitas adversidades que eles enfrentam como povo.
Num encontro com autoridades governamentais, civis e diplomáticas na República Democrática do Congo, o Papa Francisco disse no seu discurso: “Tirem as mãos da República Democrática do Congo! Tirem as mãos de África! Basta com este sufocar a África; não é uma mina para explorar nem uma terra para saquear”, afirmou o Pontífice.
Às vezes, o Pontífice era literalmente o único a levantar questões que afetavam o continente africano, tais como os efeitos das mudanças climáticas, a desigualdade económica e a instabilidade política.
Ele lembrou ao mundo as histórias humanas por detrás das estatísticas, defendeu políticas que protegem os direitos humanos e as necessidades dos mais vulneráveis. Um dos seus mais fortes pronunciamentos foi durante a pandemia de COVID-19, quando apelou a uma justa distribuição e a um “espírito de responsabilidade global” para garantir que África e outras nações em desenvolvimento não ficassem sem vacinas contra a COVID-19.
A atenção pastoral do Papa Francisco para com a África
O profundo afeto do Papa Francisco pela África foi para além de discursos e declarações. Ele foi, acima de tudo, um Pastor e um Pastor universal. Por exemplo, o Papa celebrou duas missas para a comunidade congolesa em Roma (dezembro de 2019 e julho de 2022). Nessas ocasiões, e durante a visita à RDC em 2023, o Papa Francisco demonstrou o seu apoio e à vontade com o Rito Litúrgico Zairense. Ele chegou a dizer que o Rito Zairense era um “modelo promissor” para outras culturas. Ver o Pontífice em casa e totalmente imperturbável diante da vibração cultural e espiritualidade da África foi incrível. Ele exortou os africanos a abraçarem os seus valores ancestrais de respeito pelos avós e idosos e a verem sempre a diversidade étnica como uma alegria a ser abraçada. Nunca uma ameaça.
Com certeza, assim como o Papa Francisco “retornou à casa do Pai”, os Mártires de Uganda, cujo santuário ele visitou em 2015, foram os primeiros da fila para dar as boas-vindas ao Santo Padre.