Fernández: Papa Francisco, um trabalhador que viveu sua missão com comprometimento

“O seu trabalho diário era sua resposta ao amor de Deus, era a expressão de sua preocupação com o bem dos outros”, disse em sua homilia o cardeal Víctor Manuel Fernández, nesta tarde desta quinta-feira, 1º de maio, na Basílica de São Pedro, ao presidir a sexta Missa dos Novendiais em sufrágio do Papa, com a participação da Cúria Romana.

Mariangela Jaguraba – Vatican News

O ex-prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, cardeal Víctor Manuel Fernández, presidiu a sexta missa dos Novendiais, em sufrágio do Papa Francisco, no Altar da Confissão da Basílica de São Pedro, nesta quinta-feira, 1° de maio.

Segue, na íntegra, a sua homilia.

Nesta Páscoa, Cristo nos diz: “Todos aqueles que o Pai me dá, virão a mim. (…) A sua vontade é que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu”. Estas palavras são imensamente dóceis!

O Papa Francisco é de Cristo, pertence a Ele, e agora que deixou esta terra, é plenamente de Cristo. O Senhor tomou Jorge Bergoglio consigo desde o seu batismo e por toda a sua existência. Ele é de Cristo, que lhe prometeu a plenitude da vida. “Eu o ressuscitarei”.

Vocês sabem com que ternura o Papa Francisco falava de Cristo, como ele apreciava o doce nome de Jesus, como um bom jesuíta. Ele sabia muito bem que era seu, e certamente Cristo não o abandonou, não o perdeu. Esta é a nossa esperança, que celebramos com alegria pascal sob a preciosa luz deste Evangelho hoje.

Não podemos ignorar que também estamos celebrando o Dia do Trabalhador, tão querido pelo Papa Francisco.

Lembro-me de um vídeo que ele enviou tempo atrás para um encontro de empresários argentinos. Ele lhes disse: “Nunca me cansarei de falar da dignidade do trabalho. Alguém me fez dizer que proponho uma vida sem esforço, ou que desprezo a cultura do trabalho”. De fato, alguns desonestos disseram que o Papa Francisco defendia os preguiçosos, os inoportunos, os delinquentes, os ociosos. Algo bem distante da realidade.

Mas ele insistia: “Imaginem se podem dizer isto de mim, um descendente de piemonteses, que não vieram a este país com o desejo de ser mantidos, mas com um grande desejo de arregaçar as mangas e construir um futuro para suas famílias”.

Porque para o Papa Francisco, o trabalho expressa e nutre a dignidade do ser humano, permite-lhe desenvolver as suas capacidades, ajuda-o a construir relações, permite-lhe sentir-se colaborador de Deus para cuidar e melhorar este mundo, faz com que se sinta útil à sociedade e solidário com os seus entes queridos. É por isso que o trabalho, para além das fadigas e das dificuldades, é um percurso de amadurecimento humano e cristão. Por isso, afirmou que o trabalho “é a melhor ajuda para o pobre”. Além disso, “não há pobreza pior do que aquela que priva o trabalho e a dignidade do trabalho”.

Vale a pena relembrar suas palavras durante a viagem a Gênova. Lá, ele argumentou que “todo o pacto social se constrói em torno do trabalho”. Em seguida, repetiu com admiração o que a Constituição italiana diz no Artigo 1: “A Itália é uma república democrática, fundada no trabalho”. Que maravilha!

Por trás desse amor ao trabalho há uma forte convicção do Papa Francisco: o valor infinito de cada ser humano, uma imensa dignidade que nunca deve ser perdida, que em nenhum caso pode ser ignorada ou esquecida.

Mas cada pessoa é tão digna e deve ser levada tão a sério que não se trata apenas de dar-lhe coisas, mas de promovê-la. Isto é, para que possa desenvolver todo o bem que possui em si, para que possa ganhar o seu pão com os dons que Deus lhe concedeu, para que possa evoluir suas capacidades. Assim, cada pessoa é promovida em toda a sua dignidade. E é aqui que o trabalho se torna tão importante.

Agora, cuidado, dizia o Papa Francisco. Outra coisa é o discurso falso sobre “meritocracia”. Porque uma coisa é avaliar os méritos de uma pessoa e recompensar seus esforços. E sobre isso não já dúvidas! Outra coisa é a falsa “meritocracia”, que nos leva a pensar que só quem teve sucesso na vida tem merecimentos. O Papa Francisco repetiu isso várias vezes.

Vejamos o caso de uma pessoa que nasceu numa boa família e conseguiu aumentar sua riqueza, levar uma vida boa com uma bela casa, um carro e férias no exterior. Tudo bem. Ela teve a sorte de crescer nas condições certas e realizar atos meritórios. Assim, com capacidade e tempo, construiu uma vida muito confortável para si e seus filhos.

Ao mesmo tempo, quem trabalha com seus braços, com merecimentos iguais ou superior devido aos esforços e ao tempo investido, hoje não tem nada. Não teve a sorte de nascer no mesmo contexto e, por mais que sue, mal consegue sobreviver.

Vou contar uma história que não consigo esquecer: um jovem que vi várias vezes perto da minha casa em Buenos Aires. Eu o encontrava na rua, fazendo seu trabalho, que era coletar caixas de papelão e garrafas para alimentar sua família. Quando eu ia para a universidade de manhã, quando voltava, e ainda à noite, eu o encontrava trabalhando. Certa vez, perguntei a ele: “Mas quantas horas você trabalha?”. Ele respondeu: “Entre 12 e 15 horas por dia. Porque tenho vários filhos para sustentar e quero que eles tenham um futuro”.

Então perguntei a ele: “Quando é que você está com eles?” E ele me respondeu: “Tenho que escolher: ou fico com eles ou levo-lhes comida”. Apesar disso, naquela ocasião, uma pessoa bem-vestida que passava por ali disse-lhe: “Vi trabalhar, preguiçoso!” Ouve-se muito isso na Argentina e isso talvez nos ajude a entender certas insistências do Papa Francisco. Essas palavras me pareceram de uma crueldade e vaidade horríveis. Mas são repetidas em certos discursos mais elegantes.

O Papa Francisco lançou um grito profético contra essa falsa ideia. E em várias conversas ele me apontou: veja, nos levam a pensar que a maioria dos pobres é pobre porque não tem “méritos”. Parece que aquele que herdou muitos bens é mais digno do que aquele que trabalhou duro a vida toda sem conseguir comprar uma pequena casa.

É por isso que ele afirmava na Evangelii Gaudium que neste modelo “não parece fazer sentido investir a fim de que aqueles que ficam para trás, os frágeis ou os menos dotados possam encontrar o seu caminho na vida” (EG 209).

A pergunta que retorna é sempre a mesma: os menos dotados não são seres humanos? Os frágeis não têm a mesma dignidade que nós? Aqueles que nascem com menos possibilidades precisam se limitar a sobreviver? Não há para eles a possibilidade de ter um trabalho lhes permita crescer, se desenvolver e criar algo melhor para seus filhos? Isso pode parecer contracultural às vezes hoje, mas é uma bela luz do pensamento cristão.

Mas permitam-me também apresentar o Papa Francisco como um trabalhador. Ele não só falava do valor do trabalho, mas em toda a sua vida foi alguém que viveu sua missão com grande esforço, paixão e comprometimento. Para mim, sempre foi um grande mistério entender como ele suportava, mesmo sendo um homem idoso e com várias doenças, um ritmo de trabalho tão exigente. Ele não só trabalhava de manhã, com várias reuniões, audiências, celebrações e encontros, mas também à tarde. E me pareceu verdadeiramente heroico que, com as poucas forças que possuía em seus últimos dias, ele tenha se esforçado para visitar uma prisão.

Não que possamos tomá-lo como exemplo, porque ele nunca tirava uns dias de folga. Em Buenos Aires, no verão, se não se encontrava um padre, com certeza encontrava ele. Quando estava na Argentina, nunca saía para jantar, ir ao teatro, passear ou ver um filme, nunca tirava um dia inteiro de folga. Em vez disso, nós, seres normais, não conseguimos resistir. Sua vida é um incentivo para vivermos o nosso trabalho com generosidade.

O que quero mostrar, no entanto, é até que ponto ele entendia que seu trabalho era sua missão, seu trabalho diário era sua resposta ao amor de Deus, era a expressão de sua preocupação com o bem dos outros. Por essas razões, o próprio trabalho era sua alegria, seu alimento, seu descanso. Ele experimentou o que diz a primeira leitura: “Ninguém de nós vive para si mesmo”.

Pedimos hoje por todos os trabalhadores, que às vezes têm que trabalhar em condições desagradáveis, para que encontrem uma maneira de viver seu trabalho com dignidade seja quem faz trabalhos manuais, quem preenche formulários, quem cuida de um pai idoso, quem rega um jardim. Que eles recebam uma retribuição que permita a eles e suas famílias olhar para o futuro com esperança.

Nesta Missa, com a presença da Cúria Vaticana, levemos em conta que nós também, na Cúria, trabalhamos. De fato, somos trabalhadores que respeitam um horário, que realizam as tarefas que nos foram confiadas, que devem ser responsáveis ​​e se esforçam em seus compromissos.

A responsabilidade do trabalho também é para nós, na Cúria, um caminho de amadurecimento e de santificação.

Por fim, permitam-me recordar hoje o amor do Papa Francisco por São José, aquele trabalhador forte e humilde, aquele carpinteiro de uma pequena aldeia esquecida, que com o seu trabalho cuidou de Maria e de Jesus.

Lembremos também que, quando o Papa Francisco tinha um grande problema, ele colocava um bilhetinho com uma súplica sob a imagem de São José. Então, peçamos a São José que dê um forte abraço no nosso querido Papa Francisco no céu.

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