“Desarmai-os, desarmai-nos”: a menção à Argélia nas primeiras palavras de Leão XIV

14/maio/2025

O cardeal Prevost, filho espiritual de Santo Agostinho, foi eleito Papa no mesmo dia em que a Igreja celebrava a festa litúrgica dos mártires da Argélia, entre os quais também estão duas monjas agostinianas. E na descrição da paz "desarmada e desarmante" do Ressuscitado, proclamada pelo novo Pontífice em sua primeira bênção Urbi et Orbi, ressoou o eco da oração deixada escrita por Christian de Chergé, prior de Tibhirine

Vatican News

A paz do Cristo Ressuscitado é “uma paz desarmada e uma paz desarmante, humilde e perseverante”. Nas palavras pronunciadas na quinta-feira, 08 de maio, pelo Papa Leão XIV na sua primeira bênção Urbi et Orbi no contexto do mundo de hoje, tão marcado pela corrida armamentista, esta descrição impressionou imediatamente a todos. Mas também são adjetivos que revelam um traço importante da espiritualidade de Robert Francis Prevost. Elas provavelmente contêm uma citação extremamente significativa: a referência aos mártires da Argélia, mortos entre 1994 e 1996 e proclamados beatos sob o Pontificado do Papa Francisco, cuja festa litúrgica foi celebrada exatamente este 8 de maio, dia da eleição de Leão XIV.

Vínculo especial dos agostinianos com a Argélia

“Senhor, desarmai-os. E desarmai-nos” é, de fato, a oração deixada por um desses mártires beatificados pelo Papa Francisco: o irmão Christian de Chergé, prior do mosteiro trapista de Notre-Dame de l’Atlas em Tibhirine, sequestrado em 26 de março de 1996 junto com seis de seus coirmãos em um dos períodos mais sombrios da guerra entre fundamentalistas islâmicos e o exército argelino, e todos encontrados mortos dois meses depois. Prevost vem da ordem agostiniana, da qual foi prior geral por doze anos. E referindo-se à figura de Santo Agostinho - grande filósofo e padre da Igreja, que de 395 a 430 d.C. ele foi bispo de Hipona – esta família religiosa sempre manteve um vínculo especial com a Argélia em seu coração.

Duas monjas agostinianas entre os mártires da Argélia

Não é por acaso que dois dos 19 mártires da Argélia também eram monjas agostinianas: Caridad Álvarez Martín e Ester Paniagua eram missionárias espanholas que trabalhavam no bairro de Bab el-Oued, em Argel, ajudando idosos, crianças com deficiências e famílias carentes. Eles foram mortos em 23 de outubro de 1994 durante o que é chamada de “Década sombria”. De fato, entre 1992 e 2002, vários grupos islâmicos armados, incluindo o Grupo Islâmico Armado (GIA) e o Exército de Salvação Islâmico (AIS), realizaram inúmeros ataques contra civis, intelectuais, jornalistas e figuras religiosas, tanto cristãs quanto muçulmanas, uma guerra interna contra o governo argelino que causou aproximadamente 150.000 mortes.

 

A irmã Esther Paniagua Alonso e a irmã María Caridad Álvarez Martín decidiram permanecer ao lado do povo argelino, apesar das ameaças à sua segurança. Esther, nascida em 1949 em Izagre (León), ingressou nas Irmãs Missionárias Agostinianas aos 18 anos e foi enviada como enfermeira para a Argélia. Lá, ela se dedicou com amor às crianças com deficiências, aprendendo árabe e aprofundando seu conhecimento da cultura muçulmana. Durante um momento de discernimento comunitário, ela disse: “Ninguém pode tirar a nossa vida porque nós já a entregamos... e se algo nos acontecer, em todo caso, estamos nas mãos de Deus”. Caridad, nascida em 1933 em Santa Cruz de la Salceda (Burgos), entrou para a congregação em 1955 e passou mais de trinta anos na Argélia, em particular no popular bairro de Bab el-Oued, na capital. Apesar das ameaças que recebeu, ela optou por ficar, afirmando: “Quero permanecer nesta atitude diante de Deus”.

A presença das Irmãs agostinianas no país africano

As Irmãs Agostinianas continuam sua missão na Argélia ainda hoje, com comunidades ativas em Dar El Beida e em Notre Dame d’Afrique, em Argel. O trabalho delas se concentra na educação dos mais jovens, na assistência médica e no empoderamento de mulheres e jovens que vivem em contextos marginalizados na sociedade argelina.

Os frades agostinianos - dos quais Prevost foi prior geral por 12 anos, de 2001 a 2013 — também levam adiante seu legado histórico e espiritual na Argélia, em particular por meio da custódia da Basílica de Santo Agostinho em Annaba (antiga Hipona), restaurada nos últimos anos. Esta basílica, localizada perto do local onde Santo Agostinho foi bispo e morreu em 430 d.C., é hoje um centro de diálogo intercultural e iniciativas de paz. Os frades, graças ao apoio da Fundação Agostinianos no Mundo, lançaram programas sociais em benefício de jovens, idosos e migrantes, com o objetivo de diminuir as diferenças culturais e religiosas por meio do compromisso comunitário.

Testemunho da Igreja, uma voz que oferece grande esperança

“Acredito que hoje a voz da Igreja - disse o cardeal Prevost em uma entrevista concedida à televisão pública italiana alguns meses atrás -, o testemunho da Igreja não como instituição, mas como uma comunhão de fiéis, com os mártires, com a presença e o testemunho de homens e mulheres que dão suas vidas tantas vezes, mesmo em situações de violência, guerra, conflito, é uma voz que oferece grande esperança ao mundo”.

(com AsiaNews)

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