O diretor-geral dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Portugal, com uma vasta experiência em 17 missões humanitárias, partilhou as suas impressões sobre as deficiências nos cuidados de saúde globais. Ele salienta a importância de todos contribuírem, à sua maneira, para a construção de um mundo mais solidário e «humanizado».
João Antunes descreve a organização como uma «testemunha direta» das crises humanitárias, reiterando que os Médicos Sem Fronteiras mantêm o seu compromisso com as pessoas porque a «saúde é um bem público» fundamental.
Em conversa, explicou que esta solidariedade reside na capacidade de se importar com o próximo em momentos de grande vulnerabilidade, onde o acesso a serviços médicos básicos, medicamentos e infraestruturas é inexistente ou extremamente limitado. É, para ele, um reconhecimento da nossa humanidade partilhada.
O responsável enfatiza que a MSF «não desiste de ninguém», prestando assistência médica imparcial em zonas de conflito, seja na Ucrânia, Rússia, Faixa de Gaza ou em qualquer outro local que necessite de intervenção urgente.
Fundada em França em 1971 por um grupo de profissionais de saúde e jornalistas, a MSF é uma entidade humanitária internacional que oferece cuidados médicos a populações afetadas por guerras, desastres naturais, surtos de doenças, deslocações forçadas ou simplesmente pela falta de acesso a cuidados básicos.
Caracteriza-se pela sua total independência de quaisquer poderes políticos, militares, económicos ou religiosos, financiando as suas operações maioritariamente através de doações, o que lhe confere liberdade para agir.
João Antunes explica que a MSF assume uma posição pública e política quando testemunha grandes injustiças contra civis, quando a ajuda humanitária é manipulada para benefício de terceiros, ou quando as crises se perpetuam por falta de vontade política em as resolver.
Ele sublinha que, embora a análise do contexto político e geoestratégico seja necessária para o seu trabalho, estas considerações nunca moldam a sua ação ou discurso. A prioridade máxima é sempre o bem-estar e a saúde das pessoas assistidas, independentemente de qualquer filiação política.
Com formação inicial em Economia e Gestão, João Antunes percebeu, em Moçambique, a necessidade de profissionais de diversas áreas (logística, finanças, etc.) para apoiar as equipas médicas no terreno. Redirecionou a sua carreira para esta área de apoio essencial.
Começou como coordenador financeiro em Angola e rapidamente progrediu para coordenador de projeto, adaptando-se aos diferentes desafios de cada contexto. Até 2018, quando participou na criação da MSF Portugal, integrou 17 missões em países como Índia, Guiné-Bissau, Serra Leoa, Ruanda, Angola, Nigéria, Sudão, Sudão do Sul, Senegal, Mali, Etiópia e Zâmbia.
Sobre o Prémio Nobel da Paz recebido pela organização em 1999, João Antunes vê-o como uma oportunidade de destacar o poder da «palavra» contra o «silêncio que mata». O reconhecimento permitiu denunciar e partilhar testemunhos de «situações de extremas injustiças» vividas no terreno.
O volume crescente de conflitos e emergências é, para ele, motivo de preocupação, pois a enxurrada de notícias pode levar à desumanização e à sensação de impotência. Contra essa apatia, as organizações não-governamentais demonstram que é possível fazer a diferença.
Para concluir, João Antunes defende que não se devem perder as conexões humanas. A distância e o isolamento limitam-nos e tornam-nos mais infelizes. Acredita que uma parte essencial do ser humano é a capacidade de se relacionar com os outros, de abraçar causas maiores do que si próprio – seja através do voluntariado, do trabalho ambiental, da luta contra a xenofobia, ou qualquer outra forma de engajamento que nos leve para além de nós mesmos.