Reflexão sobre o Domingo da Misericórdia – Ano B. Compilado do Pe. Paulo Ricardo
Introdução – Domingo da Misericórdia
O Evangelho deste 2.º Domingo da Páscoa, Domingo in albis e Festa da Divina Misericórdia, é o de São João, capítulo 20, versículos de 19 a 31, que apresenta uma espécie de resumo dos acontecimentos desde o Domingo de Páscoa, com a aparição de Jesus uma semana antes, quando Ele, ao anoitecer daquele domingo, encontrou-se com dez Apóstolos (já que Judas estava morto, e Tomé, ausente) e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo”, enviando-lhes o Paráclito e dando-lhes o poder de perdoar os pecados.
O Pentecostes
Foi uma espécie de gesto profético para expressar antecipadamente o que iria cumprir-se em Pentecostes, quando o número dos Doze estivesse completo com Matias (cf. At 1, 15-26) e os Apóstolos recebessem enfim o Espírito Santo (cf. At 2, 1-4).
Depois de ressuscitar, o Senhor disse: “Todo o poder me foi dado no céu e na terra” (Mt 28, 18). Em outras palavras, se antes da Encarnação nós recebíamos a graça diretamente de Deus, a partir de agora nós iremos recebê-la por intermédio da humanidade do Verbo. Ou seja: Jesus é, sim, Deus Filho; mas é também verdadeiro homem — um homem glorioso que ama com um Coração humano, pensa em cada um de nós sem cessar e, a todo momento, convida-nos a receber o Espírito Santo.
A primeira coisa que o Espírito Santo faz é purificar-nos do pecado, graça que é recebida no Batismo e na Confissão; logo, cada vez que recebemos um ou outro desses sacramentos, o Ressuscitado sopra sobre o fiel e envia-lhe o Espírito. A Lei, diz São João, nós a recebemos de Moisés; mas a graça nos veio por meio de Jesus Cristo. Essa é a primeira realidade do Domingo de Páscoa, e foi isso que celebramos no domingo passado.
A incredulidade de Tomé
São João, contudo, nota um detalhe que não nos contam os outros evangelistas. É o fato de que, na primeira aparição de Jesus aos Apóstolos, Tomé estava ausente e que, ao receber a Boa-nova, sua reação foi de incredulidade. Tomé queria provas, indícios palpáveis da Ressurreição. Os discípulos certamente lhe tinham falado das chagas de Jesus, e deve ter sido o testemunho deles que o levou a reagir, dizendo:
“Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”— São João 20, 25
Uma das coisas fascinantes do Evangelho de São João é a insistência com que o evangelista, inspirado pelo Espírito Santo, revela as chagas gloriosas de Cristo. Por que Jesus ressuscitado, que já não sofre nem tem doenças, mantém suas chagas de amor? Antes de tudo, porque Ele quer que mantenhamos viva a memória de que o Ressuscitado é o Crucificado. Não são dois homens diferentes. É um só e o mesmo, unido ao Verbo com o mesmo corpo que, glorificado, preserva as chagas como sinal de amor.
O Espírito Santo transforma morte em vida
Eis aqui uma coisa fantástica: a morte se transforma em fonte de vida, e uma chaga, em fonte de cura e de transformação. Jesus mostra aos Apóstolos sua chaga de amor. Os Apóstolos, certamente fascinados, devem ter recebido uma graça especial naquela primeira aparição, quando viram as chagas gloriosas, que se tornaram como uma santa obsessão para o discípulo amado.
O evangelista que reclinou a cabeça no peito de Jesus, o mesmo que aos pés da Cruz viu-lhe o peito trespassado pela lança, hoje vê brotar do mesmo costado uma fonte de graça. Assim como ele viu sangue e água brotarem do peito de Jesus, da mesma chaga bendita, ele vê brotar um caudal de graças celestes. O mesmo São João, na 2.ª Leitura (1Jo 5, 1-6), fala insistentemente da água, do sangue e da visão de fé que ele teve no Domingo de Páscoa, mas que faltou a Tomé. Este não acreditou, e só deu o passo na Oitava da Páscoa, ou seja, neste Domingo que estamos celebrando.
A fé livra-nos do medo
Os discípulos, antes amedrontados, fechados no Cenáculo por medo dos judeus, de repente têm a experiência da fé e encontram-se com Jesus ressuscitado. Eis o que nos diz a 2.ª Leitura, extraída da Primeira Carta de São João:
Esta é a vitória que venceu o mundo: a nossa fé. Quem é o vencedor do mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus? Este é o que veio pela água e pelo sangue, Jesus Cristo. (Não veio somente com a água, mas com a água e o sangue.)
— 1.ª Carta de São João 5, 4b-6
São João, aqui, fala sobre a fé que brota do lado aberto de Jesus, pela água e pelo sangue. Ele vê a fonte de vida que brota do peito do Senhor: em cujas “chagas fomos curados” (1 Pe 2, 24).
Santa Faustina Kowalska
Visão semelhante à do evangelista foi a de Santa Faustina Kowalska, religiosa polonesa canonizada por São João Paulo II. Jesus mostrou-lhe rios, não já de água e de sangue, mas de uma luz branca e de uma vermelha, saídos do seu lado como irradiações de amor e de graça e manifestação da Divina Misericórdia.
Com a Ressurreição, abre-se um tempo de graça, no qual todos podem aproximar-se de Nosso Senhor confiantes. Se quando éramos inimigos de Deus, Ele morreu por nós, agora que fomos reconciliados, como Ele não irá nos acolher, amar e perdoar? Confiantes, mesmo se nossa fé estiver vacilante e manca, claudicante e coxa, vamos a Cristo Jesus. Como Tomé, prostremo-nos diante da presença divina de Nosso Senhor para professar a fé.
Uma profissão de fé que muda tudo…
Muitos gostam de falar da Divina Misericórdia na Oitava de Páscoa, e fazem bem; mas nem sempre se dão conta de que só é possível ter acesso a ela pela fé. Não à toa este é o Evangelho de hoje: São Tomé, ajoelhado diante de Jesus, professando a fé — uma das mais belas profissões de fé, senão a mais bela de todo o Novo Testamento:
“Meu Senhor e meu Deus!”
— São João 20, 28
Assim se abriram os portões da misericórdia divina, de modo que Tomé recebeu, do peito aberto de Cristo, torrentes de graça. Mas tudo isso pela fé.
Os protestantes insistem muito na fé, mas, infelizmente, o conceito que eles têm dela é, no mínimo, infantil. São herdeiros do mau aluno Lutero… Em seu comentário à Epístola aos Romanos, a fé é descrita como algo emocional; ter fé em Deus seria o mesmo que confiar nele.
Ora, confiança não é coisa ruim. A própria Santa Faustina diz que devemos confiar na misericórdia divina. No entanto, confiança é apenas um sentimento. Um macaquinho lança-se nos braços da mãe porque confia nela, de modo irracional, é verdade, mas ainda assim sentimental, passional, o que — repita-se — não é ruim.
Não tenha uma fé infantil
Confiar é importante, mas não é a essência da fé. A fé é antes de tudo um toque da graça do Ressuscitado.
O Evangelho nos diz que Tomé tocou Jesus; quando, na verdade, era Tomé quem precisava ser tocado por Ele. Assim, Jesus diz ao Apóstolo como que o contrário do que dissera a Maria Madalena, uma semana antes: “Não me toques”. Agora Ele se dirige a Tomé, dizendo: “Põe o teu dedo aqui” (Jo 20, 27). Sim, Jesus pede que Tomé o toque, mas porque é Ele quem quer tocar Tomé.
Aqui está a dinâmica da fé. Jesus quer nos tocar com a luz da sua verdade. Cristo, “luz que ilumina todo homem”, é Aquele por meio de quem “a graça e a verdade se manifestaram” (cf. Jo 1, 17) a nós.
Isso, na prática, significa que precisamos mudar de opinião; você precisa mudar de cabeça; você precisa, pelo toque do Ressuscitado, fazer o ato da obediência da fé, graças ao qual a inteligência é iluminada pela verdade de Cristo, e a vontade é convidada a aderir a Ele. Com o ato de fé: “Meu Senhor e meu Deus”, abrem-se os portões da misericórdia para Tomé. De modo que São João, testemunha desse ocorrido, atesta: “Esta é a vitória que venceu o mundo: a nossa fé” (Jo 5, 4).
A fé… depois a Palavra
Feita a experiência da fé, surge a pergunta: “Para onde iremos nós, Senhor? Só tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6, 68). Foi São Pedro quem o disse, mas Jesus já o tinha dito de forma ainda mais profunda alguns versículos antes, no capítulo 6 do Evangelho de São João:
“As minhas palavras são espírito e vida”
— São João 6, 63
Portanto, ouça as palavras de Cristo. Ele quer falar com você a todo momento, como falou durante todo o caminho com os discípulos de Emaús. Ele quer falar ao seu coração e tocar em você.
O importante do Evangelho de hoje não está em Tomé tocar Jesus, mas em Jesus tocar Tomé. Quando Ele o toca, surge a fé; quando surge a fé, a inteligência, iluminada, e a vontade, convidada, aderem a Cristo. Eis a vitória que vence o mundo. Então, sim, nasce a confiança no amor misericordioso e divino de Nosso Senhor.
Agora precisamos amá-lo de volta. É por isso que, na 2.ª Leitura, São João insiste que Cristo veio não somente pela água, mas também pelo sangue. Ora, uma das interpretações dos Santos Padres a esse respeito diz que a água é a fé, e o sangue, o amor. São esses os elementos que unem a nossa alma a Jesus. Por isso, nossa vida espiritual necessita de atos de fé e de amor a Jesus, ou seja, precisamos crer nele e amá-lo concretamente.
O Domingo da Divina Misericórdia
Neste Domingo da Divina Misericórdia, quando nos aproximarmos da santa Comunhão, peçamos a Jesus:
Senhor, que nesta Comunhão sejais vós a me tocar. Mais do que experiências físicas, concretas e carnais, como quis Tomé ao vos tocar, eu vos peço: tocai-me Vós e soprai sobre mim o vosso Espírito Santo. Concedei-me a graça de crer, pois essa é a vitória que vence o mundo. Quando minha inteligência for iluminada e a minha vontade, atraída, o mundo não será nada mais para mim. Vós sereis o meu grande amor, a minha grande verdade. Inclinado diante da vossa augusta presença na Eucaristia nesta Santa Missa, quero dizer-vos com a mesma fé dos Apóstolos: “Meu Senhor e meu Deus”.
Neste domingo, portanto, comungue bem, unido à água e ao sangue, aos raios de luz branca e de luz vermelha, com fé e com amor na divina e santíssima misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Deus abençoe a sua semana!
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