7 de ago de 2024 às 09:19
O arcebispo emérito de Caracas, cardeal Baltazar Porras, e o arcebispo emérito de Cumaná, cardeal Diego Padrón, disseram que há indícios de que o regime chavista estaria “fabricando” registros eleitorais “acomodados ao seu interesse” para provar a vitória do presidente Nicolás Maduro na eleição de 28 de julho.
Segundo fontes da Conferência Episcopal Venezuelana (CEV) à qual a ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, teve acesso, a carta assinada pelos cardeais datada de 31 de julho foi endereçada à conferência episcopal do país. Intitulado Uma reflexão fraterna em comunhão diante da realidade nacional, o documento busca influenciar a CEV a tomar posição “de acordo com o desenvolvimento dos acontecimentos” e acompanhar melhor “um povo que se sente dolorido e escarnecido”.
“O processo eleitoral venezuelano não se cristalizou em favor do líder do partido no poder, o atual presidente da República”, disseram os cardeais. O povo, disseram, “decidiu por uma mudança na orientação geral do regime do governo”.
Os cardeais denunciam a atitude do regime chavista de não querer reconhecer os resultados e declarar Maduro como presidente eleito “sem mostrar as provas, que são os registros de votação”. Também repreenderam a repressão às manifestações populares “a ponto de causar vinte mortos, numerosos feridos” e mil prisões indiscriminadas.
O regime de Maduro, disseram, está “responsabilizando a oposição por todos os excessos que têm sua origem na repressão fomentada por eles”.
Um golpe de Estado construído ad hoc
Para os cardeais, é claro que o regime chavista está imerso em uma lógica de golpe de Estado pronto para se eternizar no poder, sem se importar com a opinião internacional que pede, em sua maioria, pela publicação dos resultados eleitorais desagregados que podem comprovar a suposta vitória de Maduro.
Além de acusar o regime chavista de ganhar tempo para forjar os registros eleitorais, os cardeais disseram que “consta que os responsáveis e testemunhas nas seções eleitorais da oposição foram intimidados a assiná-los”, embora tenham especificado que “há uma convicção” de que o que o regime pode fazer “não ofuscará a imagem já difundida de fraude em todo o mundo”.
Para neutralizar os esforços burocráticos do regime para desconsiderar e anular o resultado da eleição, os cardeais dizem que “a harmonia com a base popular, a ciência jurídica e a habilidade política do setor da oposição” será fundamental. E acrescentaram: “Será a luta de Davi contra Golias!”
O papel dos bispos diante da crise na Venezuela
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“Nosso papel como pastores é, acima de tudo, defender a verdade, sentir-se como um povo e acompanhá-lo. Devemos e procuramos ser imparciais, vivendo e agindo com a verdade. Não somos e não podemos ser neutros: cabe a nós verificar cuidadosamente os fatos, denunciar profeticamente, mesmo em risco, as injustiças, e proclamar nossos princípios e valores, acompanhando o povo em solidariedade e pastoralmente, uma tarefa que não é fácil, mas necessária”, disseram os cardeais.
“O que não podemos fazer é nos tornar mais uma Igreja do silêncio, deixando o tempo passar em vão. Temos que discernir no Espírito o momento presente como um kairós e agir de acordo com a coragem, no estilo dos apóstolos”, disseram.
Por fim, disseram que, nesta hora culminante, a sociedade venezuelana pede à Igreja “uma ação que só pode ser assumida como subsidiária, de bons ofícios, não de mediação, nem de protagonismo”.
Nos últimos anos, a Igreja tem servido como mediadora em vários processos de negociação entre o governo e a oposição. Esses diálogos podem ser convocados novamente nos próximos dias pelo regime, segundo os cardeais, como um sinal de “suposta legitimidade e segurança”.
“Isso é inadmissível para nós porque seria ignorar a fraude óbvia, a usurpação manifesta, ignorar a soberania popular inequivocamente expressa e o consequente direito de expressar pacificamente, mas de forma decisiva e firme, o protesto legítimo”, concluíram.
Quem são os cardeais Baltazar Porras e Diego Padrón?
O cardeal Baltazar Cardozo nasceu em 1944 em Caracas, Venezuela. Foi ordenado sacerdote em 1967 e ocupou cargos importantes dentro da Igreja na Venezuela, como arcebispo de Mérida desde 1991 e arcebispo de Caracas desde 2018, até sua renúncia este ano.
Em 2016, ele foi criado cardeal pelo papa Francisco. Ele também é acadêmico e foi nomeado membro titular da Academia Nacional de História da Venezuela este ano. Além de seu trabalho pastoral, foi presidente da CEV de 1999 a 2006 e primeiro vice-presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) entre 2007 e 2011.
O cardeal Diego Padrón nasceu em Montalbán, no Estado de Carabobo, Venezuela, em 1939. Foi ordenado sacerdote em 1963 e estudou teologia bíblica na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Foi bispo auxiliar de Caracas e depois bispo de Maturín, antes de ser nomeado arcebispo de Cumaná em 2002.
Foi presidente da CEV por dois mandatos consecutivos, de 2012 a 2015 e de 2015 a 2018, sendo uma figura-chave nas negociações de paz durante outros momentos de crise política na Venezuela. Em setembro do ano passado, o papa Francisco criou-o cardeal, destacando seu papel na Igreja universal.