A célebre frase sobre não se poder entrar na mesma água do rio duas vezes, associada ao pensamento de Heráclito, filósofo da Grécia antiga, encapsula a ideia de fluxo constante e mudança universal. Heráclito, um pensador considerado "obscuro" que viveu em Éfeso, deixou fragmentos do seu trabalho, que se supõe ter sido compilado num livro chamado "Da Natureza".
Éfeso era famosa pelo grandioso Templo de Artemisa, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Um edifício imponente de mármore, orgulho da cidade e centro de culto e refúgio.
Contudo, numa noite fatídica de 356 a.C., o templo foi consumido por um incêndio. O responsável foi um homem chamado Heróstrato. O seu objetivo? Alcançar a fama eterna, mesmo que através de um ato destrutivo. Confessou o crime com orgulho, desejando que o seu nome fosse lembrado para sempre, tal como o templo que destruiu.
Apesar da condenação e da tentativa oficial de apagar o seu nome da história (a chamada "damnatio memoriae"), Heróstrato alcançou, ironicamente, a imortalidade que desejava. O seu nome sobreviveu através de escritos e tornou-se sinónimo de busca de notoriedade a qualquer custo.
Na psicologia, o "Complexo de Heróstrato" descreve indivíduos movidos por sentimentos de inferioridade que buscam destaque social através de ações agressivas e destrutivas, como vandalismo, terrorismo, ou até mesmo atos de violência contra pessoas. Essas ações visam uma fama e atenção fugazes.
Quando se lê sobre jovens, no isolamento dos seus quartos, a praticar atos agressivos contra crianças e adolescentes online, algo falha na educação e na sociedade. Falham os pais, a escola, as instituições, e as próprias redes sociais, que se tornam palcos para essa busca por protagonismo fácil. É algo que se lê, e que custa a crer na sua extensão e crueldade.
Igualmente perturbador é testemunhar a busca por notoriedade em espaços públicos, como ver alguém, em pleno destaque mediático, virar as costas a um símbolo da nação. É uma atitude que choca e parece negar a história e o civismo democrático. Ver isto em tempo real força-nos a aceitar que a civilidade pode, por vezes, ser atropelada pela busca de destaque individual. Viu-se, e a realidade impôs-se.
Parece haver uma inclinação humana para a celebridade, mesmo que efémera – seja na televisão, numa manifestação, nas redes sociais ou num momento desportivo.
Refletindo sobre isto, surge a impressão de que muitos de nós, individualmente ou em grupo, exibimos traços "herostraticos". Numa sociedade que por vezes sobrevaloriza o mérito individual e ignora o contexto, criam-se frustrações que podem gerar complexos de inferioridade, especialmente quando faltam caminhos positivos para superar limitações.
Lemos e vemos comportamentos e situações que inicialmente nos parecem inacreditáveis, mas que a observação atenta confirma. Diante destas realidades, torna-se essencial que nos repensemos enquanto indivíduos e membros de uma comunidade social e política.