4 de out de 2024 às 10:22
Um grupo de estudos criado pelo papa Francisco para desenvolver uma forma sinodal sobre a doutrina da Igreja sobre questões controversas, como moralidade sexual e questões sobre o começo e o fim da vida, propôs o que chamou de “novo paradigma” que é fortemente baseado em moral de situação, mas minimiza mandamentos morais absolutos e doutrinas estabelecidas da Igreja.
O grupo, um dos dez grupos de estudo que o papa criou em fevereiro para fazer uma “análise aprofundada” de “assuntos de grande relevância” que surgiram durante a sessão do ano passado do Sínodo da Sinodalidade, apresentou suas sugestões à assembleia sinodal na quarta-feira (2), o primeiro dia de sua sessão deste ano. Um texto da apresentação foi divulgado à imprensa.
O grupo falou sobre discernir doutrina, moral e abordagens pastorais ao avaliar a experiência vivida das pessoas por meio de consultas com o Povo de Deus e ao ser reativo a mudanças culturais. O grupo apresentou essas duas fontes como lugares onde o Espírito Santo fala de uma forma que pode anular e aparentemente contradizer o que a autoridade da Igreja já ensinou.
O grupo, cujos sete membros incluem um teólogo controverso conhecido por questionar a existência de normas morais absolutas (artigo em inglês), diz que essa abordagem é parte de uma “conversão de pensamento ou reforma de práticas em fidelidade contextual ao Evangelho de Jesus, que é ‘o mesmo ontem, hoje e sempre’, mas cuja ‘riqueza e beleza são inesgotáveis’ ”.
“Eticamente falando, não é uma questão de aplicar verdade objetiva pré-embalada a diferentes situações subjetivas, como se fossem meros casos particulares de uma lei imutável e universal”, disse o relatório de status do grupo antes da assembleia do Sínodo da Sinodalidade ontem (3). “Os critérios de discernimento surgem da escuta da auto-doação da Revelação em Jesus no hoje do Espírito.”
Em possível confronto com o relatório do grupo, o Catecismo da Igreja Católica diz que os “modos de transmissão” fundamentais da revelação de Cristo são a Escritura e a Tradição e que o encargo de interpretar autenticamente essas fontes “foi confiado só ao Magistério vivo da Igreja” (número 92). A revelação cristã também inclui preceitos morais absolutos e universalmente aplicáveis, que não parecem sujeitos a mudanças com base na experiência subjetiva ou consulta generalizada. O grupo de estudo pretende oferecer “diretrizes concretas para o discernimento” com base em seu novo paradigma para dois conjuntos de questões: paz global e cuidado; e “o significado da sexualidade, casamento, geração de filhos e promoção e cuidado da vida”.
Os nove grupos de estudo sinodais estabelecidos pelo papa Francisco tem mandato até junho do ano que vem, bem além da conclusão do Sínodo da Sinodalidade em 27 de outubro deste ano. Não está claro qual status o eventual relatório do grupo de estudo terá.
Em entrevista coletiva ontem (3), o secretário-especial do sínodo, o padre jesuíta Giacomo Costa, disse que outros poderiam enviar propostas para serem consideradas pelos grupos de estudo e que os grupos de estudo não deveriam ser considerados “fechados”. O secretário-geral do sínodo, cardeal Mario Grech, será responsável por garantir que os grupos de estudo prossigam no “método sinodal”, disseram os organizadores.
“Eu os convido a não pensar que esses grupos estão separados da vida da Igreja, mas são verdadeiros laboratórios de vida sinodal”, disse o padre Costa. “Oficinas, realmente.”
No texto da apresentação, o grupo de estudos falou sobre a necessidade de desenvolver uma antropologia e uma “ética histórico-cultural” que sejam harmoniosas com o “kerigma (anúncio do Evangelho) e suas implicações essenciais” e também com “o novo que se revela na realidade”.
O grupo vinculou o discernimento desses “estados emergentes” à discussão do Sínodo da Sinodalidade sobre o envolvimento de pessoas que não são bispos nos processos de tomada de decisão da Igreja.
O paradigma proposto pelo grupo de estudo diminuiu várias vezes a relevância dos pronunciamentos estabelecidos pela Igreja, ao falar sobre a necessidade de ir além de “proclamar e aplicar princípios doutrinários abstratos” para “estar aberto aos sempre novos impulsos do Espírito Santo”.
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“Somente uma tensão vital, frutífera e recíproca entre doutrina e prática incorpora a Tradição viva e é capaz de neutralizar a tentação de confiar na [rigidez] estéril dos pronunciamentos verbais”, diz o texto do relatório do grupo.
Em vários pontos, a apresentação do grupo caracteriza a verdade moral como subordinada à salvação humana, em vez de parte integral dela. A implicação é que a doutrina sobre uma questão moral deve mudar se for vista como uma barreira à filiação de alguém à Igreja.
O texto de apresentação não cita a relevância de absolutos morais no discernimento de questões éticas, doutrinárias e pastorais. Na encíclica Veritatis Splendor (O Esplendor da Verdade), publicada em 1993, o papa são João Paulo II disse que, ao contrário do relativismo moral, verdades morais absolutas existem, estão enraizadas na natureza humana e são, portanto, universalmente aplicáveis e acessíveis à razão humana.
Os membros do grupo de estudo incluem o padre Maurizio Chiodi, teólogo moral que desafia doutrinas estabelecidas da Igreja e nega haver normas morais absolutas.
O padre italiano, que é professor no Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimônio e da Família e membro da Pontifícia Academia para a Vida, foi recentemente nomeado consultor do Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF) pelo papa Francisco.
O padre jesuíta Carlo Casalone, teólogo moral da Universidade Gregoriana que também foi nomeado por Francisco para a Pontifícia Academia para a Vida, também é membro do grupo de estudo. Em 2022 ele apoiou a legislação para legalizar o suicídio assistido na Itália.
Como um modelo bíblico da “mudança de paradigma sendo propagada pelo processo sinodal”, o grupo apontou o relato de Atos 15 sobre o concílio de Jerusalém, que resultou na Igreja não exigir a circuncisão obrigatória para os judeus. O grupo de estudo disse que esse evento destacou a “proibição de impedir a vontade salvífica universal de Deus com qualquer coisa que não tenha mais nenhum significado eficaz”.
O grupo reconheceu potenciais dificuldades na aplicação de sua estrutura, incluindo “a escassez de — e a falta de familiaridade com — vocabulário e conceitos necessários” e “resistências paradigmáticas implícitas”, mas, mesmo assim, disse ter confiança de que poderia desenvolver seu modelo proposto de forma mais completa.
Somos “chamados a uma conversão completa e desafiadora; uma conversão que toma forma concreta na maneira como apresentamos e traduzimos a verdade do Evangelho, conforme manifestada e praticada no ágape de Deus em Cristo”, disse o grupo em sua apresentação.