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31 de mar de 2025 às 13:22
O bispo de Fréjus-Toulon, França, dom Dominique Rey, era conhecido em toda a França e em outros países por fazer de sua diocese um laboratório para a renovação da fé. Por 25 anos, Dom Rey acolheu comunidades tradicionalistas e carismáticas, tornando sua diocese um centro de novas vocações.
Em janeiro último, sua renúncia aos 72 anos, três anos antes do limite de idade habitual para os bispos diocesanos, levantou questões sobre as razões de sua decisão.
A saída de dom Rey não surgiu do nada. Em junho de 2022, o papa Francisco já o havia proibido de ordenar padres na diocese, medida altamente incomum. Seguiu-se uma visita apostólica, que levou à nomeação de dom François Touvet como bispo coadjutor em novembro de 2023. Isso efetivamente colocou dom Rey sob tutela, com o bispo Touvet dividindo o governo diocesano. Oficialmente, o bispo poderia ter permanecido no cargo até seu 75º aniversário, em 2027, mas sua posição se tornou cada vez mais insustentável.
Reviravolta ‘surpreendente’
Dom Rey descreveu o contexto de sua renúncia como surpreendente ao jornal National Catholic Register, da EWTN. Ele disse que, na visita apostólica, o papa Francisco inicialmente o encorajou a ficar.
“O papa me disse para não renunciar, que eu era necessário”, disse ele. Alguns meses depois, no entanto, ele foi notificado de que a Santa Sé havia mudado de ideia. “O papa toma as decisões, mas é claro que ele confiou nas reflexões e recomendações daqueles que lidaram com o assunto”.
Rey disse que aceitou a decisão por fidelidade à Igreja.
“Toda crise é uma oportunidade de voltar ao essencial”, disse. “Quando confrontado com dificuldades, você pode cair no desânimo ou na rebelião, mas eu escolhi permanecer fiel ao Santo Padre”.
A Santa Sé não revelou o motivo pelo qual o papa pediu a saída do bispo. Um comunicado de imprensa publicado em 7 de janeiro só se refere à aceitação da renúncia do bispo.
As circunstâncias que cercam sua retirada, no entanto, revelam tensões mais profundas dentro da hierarquia da Igreja. As principais acusações contra o bispo na visita apostólica eram de má gestão financeira e discernimento insuficiente na aprovação de algumas ordenações.
“Algumas decisões podem ter sido questionáveis, mas, no geral, a situação financeira da diocese é comparável à de muitas outras dioceses na França”, disse Rey.
Dom Rey disse também que as questões em torno da formação e ordenação sacerdotal não eram inéditas no país.
Esses pontos, no entanto, deram à Santa Sé uma estrutura formal para intervir. Segundo Jean-Marie Guénois, do jornal francês Le Figaro, o desconforto do papa Francisco com a influência tradicionalista também pode ter sido um fator decisivo na saída de dom Rey.
O vaticanista disse que o papa tem procurado limitar a influência de grupos tradicionalistas e exercer maior controle sobre “novas comunidades”, que muitas vezes são movimentos carismáticos que operam independentemente das estruturas diocesanas. A abordagem de dom Rey de acolher amplamente ambas as correntes pode ter sido vista como muito arriscada.
“Eu corri riscos às vezes, com uma abordagem missionária ousada”. Disse Rey. “Mas, como costumo dizer, se você deixar o carro na garagem, nunca terá um acidente. O próprio Jesus assumiu riscos. E essa ousadia também deu frutos: vocações, uma forte presença pastoral e uma sólida rede de paróquias e comunidades”.
Dom Rey disse também que, num contexto de descristianização desenfreada, a contribuição dessas comunidades muitas vezes reativou a dinâmica pastoral.
No início de seu episcopado, ele viajou muito para conhecer diferentes modelos de dinamismo missionário. Ele visitou a América Latina, África e os EUA, onde observou como a Igreja estava prosperando em diversos contextos culturais e sociais.
“Sempre priorizei a missão. Meu compromisso pessoal e vocacional tem sido centrado na evangelização e no desejo de fazer da Igreja uma comunidade missionária numa sociedade secularizada, onde a matriz cultural do cristianismo está se desgastando rapidamente”.
Um caminho para comunidades tradicionalistas
Com base em seus anos de experiência, o bispo francês acredita que a relação da Igreja com as comunidades ligadas à missa tradicional anterior à reforma do Concílio Vaticano II deve ser baseada tanto na sensibilidade pastoral quanto em diretrizes claras. Ele insiste que a Igreja deve ouvir os jovens atraídos pela forma tradicional da liturgia.
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“Muitos deles não vêm do mundo tradicionalista, mas são convertidos, catecúmenos, pessoas em busca de raízes espirituais”, disse dom Rey. Muitos deles poderiam facilmente ir em peregrinação a Paray-le-Monial, da carismática Comunidade Emmanuel, ou a Chartres, com sua sensibilidade tradicionalista.
“O Espírito Santo age também através dos povos cristãos e através da necessidade hoje de sacralidade e ritual em um mundo secularizado, a necessidade de redescobrir nossas raízes”.
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Ele enfatizou que a Igreja precisa se envolver com esse fenômeno com mais cuidado e evitar julgamentos simplistas.
“O objetivo é não deixá-los isolados e fechados, expostos ao risco de extremismo”, disse.
Ao mesmo tempo, dom Rey diz que a sinodalidade, prioridade fundamental do papa Francisco, deve se aplicar a essas comunidades também.
“Sinodalidade significa discernir, acompanhar e integrar essas sensibilidades no tecido eclesial”, disse ele.
“Alguns podem se recusar e teriam que assumir sua própria responsabilidade por isso. Mas devemos permanecer atentos porque o futuro da Igreja também depende dessa diversidade”.
Chaves para superar a crise da Igreja
Respondendo sobre as principais direções que a Igreja deve tomar nos próximos anos para enfrentar sua atual crise interna, dom Rey identificou quatro grandes desafios para as sociedades ocidentais, com base em sua experiência. Primeiro, a importância de manter a continuidade, apontando para a história de 2 mil anos da Igreja como fonte de estabilidade num mundo instável.
Em seguida, pediu uma maior comunhão em uma sociedade fragmentada, marcada pelo individualismo e pela divisão.
“A contribuição do cristianismo é oferecer um senso de comunhão universal que transcende os interesses particulares ou nacionais, a perda do coletivo. Para poder falar de fraternidade, é preciso ter uma paternidade”.
A terceira postura a adotar é, em sua opinião, “nutrir o que está crescendo”.
É “uma atitude de acompanhamento, de resiliência, de atenção a cada indivíduo”.
Por fim, recomendou permanecer abertos à ação do Espírito Santo, especialmente em iniciativas inesperadas.
“Pessoalmente, sempre fui muito sensível às coisas que emergem do comum, que nos movem. Essa postura, que expressa o profetismo da Igreja, me parece fundamental”.
Aos 72 anos, dom Rey disse que ainda tem muito a oferecer. Ele não tem mais responsabilidades territoriais, mas pretende continuar apoiando as iniciativas missionárias e pastorais que lançou.
“Tudo o que pude iniciar, sejam think tanks, projetos humanitários ou missionários, continuará a exigir várias formas de apoio”, disse ele.
Embora sua renúncia marque o fim de uma era para a diocese de Fréjus-Toulon, é improvável que seja o fim de seu trabalho para a Igreja. Dom Rey continua convencido de que, numa encruzilhada histórica, o futuro da Igreja está em abraçar a diversidade litúrgica e, ao mesmo tempo, encorajar a ousadia missionária.
“O cristianismo não é simplesmente um legado, mas uma promessa. O cristianismo está bem à nossa frente”, concluiu ele.