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24 de fev de 2025 às 15:22
Hoje (24) faz três anos que a Rússia invadiu a Ucrânia. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 12,6 mil civis morreram em consequência do conflito, dentre as quais 2,4 mil crianças. Cerca de 10% das casas do país foram danificadas ou destruídas, resultando no deslocamento de cerca de dois milhões de famílias.
“O papa Francisco proclamou o Ano Jubilar da Esperança e, numa guerra tão horrível, não resta nada além de esperança”, disse dom Kulbokas à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI. “Capelães militares nos dizem que os soldados são gratos por qualquer mensagem de esperança, porque é a única coisa que lhes resta”.
Da nunciatura apostólica em Kiev, capital do país, o arcebispo descreve um país marcado pelo sofrimento.
“Neste fim de semana, por ocasião do terceiro aniversário da guerra, temos muitas visitas e eventos. Para nós, porém, não é uma data significativa, porque todo dia é dia de guerra”, diz o núncio.
A duração do conflito levou os ucranianos a se adaptar.
“Lembro-me das primeiras semanas de 2022, quando os bispos falaram dramaticamente, sem saber se viveriam até o dia seguinte”, diz dom Kulbokas. “Agora temos mais paz psicológica para conviver, embora a guerra seja mais intensa e dramática do que no início”.
“Não me lembro da última noite sem um ataque de drones. Os ataques com mísseis são mais esporádicos, mas os ataques com drones ocorrem diariamente”, lamenta o arcebispo.
Um dos aspectos que mais preocupa o núncio apostólico é a situação dos prisioneiros de guerra e dos detidos civis em território russo.
“Milhares de presos sofrem condições desumanas”, disse o núncio.
Dom Kulbokas fala sobre o depoimento de Ludmila, mulher de 60 anos que passou quase três anos numa prisão russa.
“Por semanas ela foi torturada sem poder dormir, a ponto de não conseguir distinguir a verdade da mentira. Ela acabou assinando documentos sem saber o que estava fazendo”, diz o arcebispo.
A falta de mecanismos para a libertação de civis agrava ainda mais a crise.
“Existe um sistema de troca para os militares, mas não para os civis. A situação deles é muito mais desesperadora”, alerta o núncio.
Segundo dom Kulbokas, a diplomacia da Santa Sé tem desempenhado um papel fundamental no campo humanitário. Por exemplo, em paralelo com a iniciativa internacional Bring Kids Back UA, a Santa Sé conseguiu, de forma discreta, trazer de volta várias dezenas de crianças deportadas pelas forças de ocupação russas.
Nestes três anos de guerra, diz o arcebispo, o papa Francisco conseguiu estabelecer uma espécie de mecanismo para negociar o retorno à Ucrânia de muitas crianças deportadas para a Rússia pelas forças de ocupação.
“O cardeal Matteo Zuppi, enviado do papa Francisco, está em contato com as autoridades ucranianas e russas para abordar a questão das crianças deportadas e dos prisioneiros. O processo é lento, pois às vezes leva meses para obter informações sobre os menores”, diz dom Kulbokas.
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No entanto, os esforços para libertar civis enfrentam um grande obstáculo.
“A Rússia considera muitos deles cidadãos russos, o que dificulta o uso de estruturas internacionais para libertá-los. A única maneira é a persuasão, o diálogo com as autoridades russas para mostrar que essas pessoas são civis e devem ser libertadas”, diz o núncio.
O papel da comunidade internacional e o futuro da guerra
O arcebispo criticou abertamente o fracasso da comunidade internacional em encontrar uma solução para o conflito.
“Não há estruturas internacionais capazes de resolver a guerra. A princípio, a Europa pode ter pensado que esse conflito não era problema dela, mas quando as guerras não são levadas a sério, o conflito cresce. Se as guerras não forem interrompidas no início, será tarde demais depois”.
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Apesar da dureza do conflito, o núncio apostólico mantém a esperança de uma solução diplomática.
“Para que existam condições que permitam a realização de negociações sérias, é necessário que não sejam só um ou dois atores globais que decidam. A paz na Ucrânia deve ser uma questão de toda a comunidade internacional. Se deixarmos a decisão para os maiores ‘players’ do mundo, não tenho dúvidas de que a solução não será justa”, diz dom Kulbokas.
A Ucrânia enfrenta uma incerteza crescente sobre o apoio dos EUA, o país que mais a apoiou nos últimos anos. O governo de Donald Trump intensificou sua retórica contra o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, com ameaças e decisões que parecem apontar para um acordo com o Kremlin para encerrar o conflito.
O diplomata da Santa Sé evita entrar em polêmica sobre as declarações de Trump, que chegou a culpar a Ucrânia pela guerra.
“Os fiéis católicos na Ucrânia sentem que não podem confiar nos políticos, porque eles dizem uma coisa num dia e outra no dia seguinte. O que eles esperam da Igreja é uma postura moral clara: que a agressão não seja justificada e que a vida seja defendida”, diz o núncio apostólico.
Sobre isso, dom Kulbokas diz que a Igreja tem uma missão diferente.
“O importante é proclamar o Evangelho, que é vida, paz, respeito e justiça”, diz o arcebispo.
Apesar da incerteza e da dor, o diplomata da Santa Sé reafirma que a mediação internacional é a única solução.
“Se deixarmos a decisão para os grandes, a solução não será justa. A única esperança é que a comunidade internacional se una para acabar com essa e outras guerras”, conclui o núncio.