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9 de abr de 2025 às 11:38
O 70º aniversário da morte, amanhã (10), do padre Pierre Teilhard de Chardin, jesuíta francês cujas obras a Santa Sé censurou formalmente em 1962, deu mais motivos para os que simpatizam com seu pensamento – como o papa Francisco e altos funcionários da Santa Sé – celebrarem sua vida e seu legado.
A mais recente tentativa, que acaba sendo uma efetiva reabilitação de Teilhard, como ele era familiarmente chamado, é uma matéria de duas páginas na edição de 27 de março do jornal semioficial da Santa Sé, L’Osservatore Romano.
Entre os seis artigos de homenagem do jornal, que exaltou o filósofo e paleontólogo por ser, entre outros atributos, um “pensador brilhante e estimulante” e um “Moisés do século 20”, estavam vários artigos sobre uma nova biografia favorável publicada em 31 de março pela editora da Santa Sé, a Libreria Editrice Vaticana.
Na obra Pierre Teilhard de Chardin: Una Biografia, a autora Mercè Prats examina as obras de Teilhard “num momento em que as questões sobre o futuro do planeta são cada vez mais importantes”, diz a sinopse do livro.
“A busca apaixonada de Teilhard de Chardin pode ser vista através do prisma da ecologia, seguindo sua perspectiva sempre esperançosa”, diz também o livro.
Esse é o segundo grande trabalho de Prats sobre Teilhard. Ela é historiadora do Laboratório de Estudos do Monoteísmo em Paris e membro do British Teilhard Network (Rede Britânica Teilhard).
A biografia traz um prefácio do prefeito do Dicastério para a Educação e a Cultura da Santa Sé, o cardeal português José Tolentino de Mendonça, que foi publicado na edição do L’Osservatore Romano e online via Vatican Media.
O padre jesuíta Antonio Spadaro, confidente próximo do Papa Francisco e subsecretário do Dicastério para a Educação e Cultura da Santa Sé, está na vanguarda da reabilitação de Teilhard nos últimos anos. Ele falou na semana passada no lançamento do livro de Prats em Roma e na cúria diocesana em Verona, descrevendo Teilhard como um poeta que fala “o que é, e será, a linguagem do futuro”.
O jornal da Santa Sé continuou sua cobertura positiva de Teilhard em 29 de março com um artigo sobre um simpósio na basílica de São João de Latrão, em Roma, também com o padre Spadaro como palestrante. Ele citou Giuseppe De Rita, fundador do Censis, instituto italiano de pesquisa socioeconômica, que falou favoravelmente de Teilhard no evento. De Rita expressou uma visão claramente progressista da Igreja e da sociedade e defendeu a adoção do “subjetivismo”.
Críticas de longa data
As obras de Teilhard, que morreu aos 73 anos de ataque cardíaco no domingo de Páscoa, em 10 de abril de 1955, depois de assistir à missa na Catedral de São Patrício, em Nova York, foram criticadas tanto por motivos teológicos quanto filosóficos.
O monitum (advertência) de 1962 do Santo Ofício disse que as obras teológicas de Teilhard, que nunca receberam o imprimatur da Igreja, “abundam em tais ambiguidades, e até mesmo erros graves, que ofendem a doutrina católica”. O monitum também exortou os líderes da Igreja a proteger “as mentes, principalmente dos jovens”, de seus escritos. Estudos recentes parecem confirmar o “firme compromisso” de Teilhard com a eugenia e suas visões questionáveis sobre raça. Numa declaração de 1981, o papa são João Paulo II reafirmou que o monitum continuava em vigor.
Os teólogos ortodoxos o consideram nada menos que um herege há muito tempo. Dietrich von Hildebrand descreveu seu pensamento como “irremediavelmente em desacordo com o cristianismo”, e Jacques Maritain o chamou de “um homem de grande imaginação”, mas não um filósofo ou teólogo sério. O escritor católico Malachi Martin concluiu, ao estudar os escritos de Teilhard, que ele havia perdido a fé.
Várias tentativas de reabilitar o polêmico jesuíta francês ocorreram no pontificado atual. O papa Francisco elogiou a visão teológica de Teilhard numa nota de rodapé em sua encíclica Laudato Si, de 2015. Nesse trecho da encíclica, no número 83, o papa escreve que “a meta do caminho do universo situa-se na plenitude de Deus, que já foi alcançada por Cristo ressuscitado, fulcro da maturação universal”.
O papa também o classificou como “muitas vezes incompreendido” numa homilia na Mongólia em 2023. No mês passado, Francisco o qualificou como “ousado e inspirador” em mensagem à Pontifícia Academia para a Vida.
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Em 2017, os participantes do então Pontifício Conselho para a Cultura elogiaram formalmente a “visão profética” de Teilhard como inspiradora de teólogos e cientistas em todo o mundo e pediram ao papa Francisco para suspender o monitum de 1962.
Em seu prefácio à biografia de Prats, o cardeal De Mendonça disse que Teilhard é “uma das figuras mais fascinantes e complexas do pensamento do século XX”.
O cardeal português, conhecido por sua poesia e por suas inclinações progressistas, disse que o trabalho de Teilhard “está na intersecção de ciência, teologia e filosofia” e representa “uma tentativa ousada de integrar a evolução cósmica com uma visão espiritual do universo”. Ele descreveu seu pensamento como uma “síntese original” que desafia “as dicotomias tradicionais entre fé e razão, natureza e espírito, tempo e eternidade”.
A “teoria da evolução” era central para o pensamento de Teilhard, disse o cardeal. Teilhard via a evolução não simplesmente como um processo biológico, “mas um movimento cósmico que envolve toda a criação”, disse o cardeal. O jesuíta francês acreditava que o universo “é animado por uma força interior que o empurra em direção ao ponto ômega, um termo cunhado por Teilhard para indicar o auge da evolução, em que a consciência humana e divina se unem em harmonia”.
Essa “ousadia em reinterpretar a fé católica” à luz da descoberta científica “provocou reações contrastantes dentro da Igreja”, disse o cardeal Mendonça. Ele destacou o monitum de 1962, mas também disse corretamente que os papas Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI tinham algumas palavras positivas a dizer sobre ele. Bento XVI admirava a criatividade e as percepções teológicas de Teilhard, mas manteve reservas sobre certos aspectos do trabalho de Teilhard, particularmente suas potenciais ambiguidades e desvios da doutrina ortodoxa.
O cardeal Mendonça elogiou Prats por reler as ideias de Teilhard “à luz dos desafios do mundo contemporâneo” e por sua capacidade de “dialogar com questões atuais, como a crise ecológica, a globalização e a busca de significado espiritual na era tecnológica”.
As ressonâncias de Teilhard hoje
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As ideias de Teilhard claramente encontram ressonância na Santa Sé de hoje e se aproximam de várias de suas prioridades. Martin disse em seu livro Os jesuítas como a alienação de Teilhard do capitalismo o orientou para “o povo”, que “o marxismo não apresentava nenhuma dificuldade real” para ele e que ele se opunha à rigidez na doutrina, uma vez criticando secamente o arcebispo Fulton Sheen por ver “religião sem mistérios, exceto os da teologia” e dizendo que, para Sheen, “tudo é revelado”.
Martin também destacou o que ele via como principal alvo de Teilhard, o mesmo, disse ele, de “todos os modernistas genuínos”: a ” hierarquia de bispos unidos ao papa como sua cabeça”. É uma observação não muito diferente das críticas de hoje do Sínodo da Sinodalidade. Para Martin, a hierarquia da Igreja, “não sobreviveria ao teilhardismo”.
Ele avalia que a mudança na Igreja exigida por Teilhard “era total” e que em seu “Deus da Evolução”, Teilhard via tudo como estando em fluxo perpétuo – observação que ecoa a crença de que Francisco está promovendo uma “Igreja da sociedade líquida”. Teilhard, escreveu Martin, “não acreditava no ‘Deus que está morto’ de Nietzsche, e nem no Deus imutável da Igreja, mas em ‘um Deus que muda’ “. Isso, disse ele, levou Teilhard a acreditar que tudo na Igreja “deve ser repensado” e que ela deve “aliar-se à ciência porque ‘isso ajudaria a eliminar os obstáculos que impedem a Igreja de conhecer sua própria verdade’ “.
Depois de analisar sua piedade pessoal e prática de crença religiosa (ele disse que Teilhard uma vez descreveu o sobrenatural como uma “ideia monstruosa”), Martin concluiu que, “obviamente, Teilhard havia parado de crer como católico” e deduziu que, em parte de suas teorias, a desacreditada teologia da libertação emergiu.
Em sua famosa crítica de 1967 a Teilhard, chamada Cavalo de Tróia na Cidade de Deus, von Hildebrand o acusou de promover um naturalismo crasso que subordinava a alma individual a processos cósmicos e ignorava o destino sobrenatural da humanidade. Ele achava as tendências panteístas de Teilhard preocupantes, especialmente seu retrato de Cristo como uma figura ligada a processos evolutivos, e não como o Redentor da humanidade.
“Foi só depois de ler várias das obras de Teilhard, que percebi plenamente as implicações catastróficas de suas idéias filosóficas e a absoluta incompatibilidade de sua ficção teológica – como Etienne Gilson [historiador e filósofo do século XX] a chama – com a revelação cristã e a doutrina da Igreja”, escreveu von Hildebrand.
Os defensores ferrenhos de Teilhard naturalmente rejeitam tais críticas, mas os perigos espirituais dos escritos de Teilhard, que levaram ao monitum da Santa Sé, permanecem para muitos tão válidos hoje quanto eram então.