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21 de abr de 2025 às 07:25
O papa Francisco, que morreu hoje (21), aos 88 anos, em Roma, tinha uma relação de proximidade com o Brasil, desde a escolha de seu nome inspirado pelo cardeal brasileiro Cláudio Hummes, passando por sua primeira viagem internacional como papa para o Rio de Janeiro (RJ), até temas marcantes de seu pontificado, como a Amazônia.
Francisco foi eleito papa em 13 de março de 2013. Na ocasião, foi uma fala de dom Hummes que o inspirou na escolha de seu nome como papa. “Ao meu lado, nas eleições, estava o arcebispo emérito de São Paulo e prefeito emérito da Congregação para o Clero, cardeal Claudio Hummes, um grande amigo. Quando a situação ficava um pouco perigosa, ele me consolava. Quando os votos chegaram aos dois terços, começaram a aplaudir, porque o papa tinha sido eleito. E ele me abraçou, me beijou e disse: ‘Não se esqueça dos pobres’. E aquela palavra entrou na minha cabeça: os pobres. Pensei em Francisco de Assis”, contou o papa depois de sua eleição.
Quando o cardeal Hummes morreu em julho de 2022, o papa lembrou esse episódio em um telegrama de pesar enviado ao arcebispo de São Paulo (SP), cardeal Odilo Scherer. “Trago sempre vivas na memória as palavras que dom Cláudio me disse no dia 13 de março de 2013, pedindo-me que não me esquecesse dos pobres”, disse, ao expressar pesar pela morte “deste querido irmão” e destacar “seu dedicado e zeloso serviço” à Igreja na cúria romana, no Brasil e “seu empenho em anos recentes pela Igreja que caminha na Amazônia”.
Anos antes, em 2019, o cardeal Hummes, que era o então presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), havia sido nomeado pelo papa relator geral do Sínodo da Amazônia. Mais tarde, o cardeal Hummes se tornou o primeiro presidente da Conferência Eclesial da Amazônia, órgão cuja criação foi uma das propostas do documento final do Sínodo da Amazônia.
Uma relação anterior ao pontificado
Antes mesmo de se tornar papa, Francisco, ainda como cardeal Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, Argentina, esteve no Brasil, em maio de 2007, para a V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, que aconteceu em Aparecida (SP). Bergoglio esteve à frente da comissão que redigiu o documento final da conferência, conhecido como Documento de Aparecida.
Em um livro de entrevistas lançado em fevereiro deste ano, o arcebispo de São Paulo (SP), cardeal Odilo Scherer, conta como a Conferência de Aparecida influenciou temas do pontificado de Francisco. “Os bispos brasileiros presentes na Conferência de Aparecida [2007] referiam-se com frequência às questões ambientais, sociais e humanas (indígenas) da Amazônia”, diz dom Odilo em Cardeal Odilo Pedro Scherer, Um Padre a Vida Toda.
Isso teria impressionado o então arcebispo de Buenos Aires. “Mas, pouco a pouco, ele foi entendendo o motivo e a importância dessas preocupações, que não devem ser alheias à ação evangelizadora da Igreja”, diz dom Odilo. Para ele, Aparecida influenciou o papa Francisco a escrever a encíclica Laudato si’ em 2015 e a exortação apostólica Querida Amazônia em 2020.
JMJ Rio 2013
Apenas 131 dias depois de sua eleição como papa, Francisco desembarcou no Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), no Rio de Janeiro, naquela que seria a sua primeira viagem internacional como papa. Foi uma visita que já estava marcada anteriormente por seu antecessor Bento XVI, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). A viagem foi de 22 a 28 de julho de 2013.
A JMJ Rio 2013 foi a segunda maior Jornada Mundial da Juventude em número de participantes. Na missa de envio, na praia de Copacabana, havia 3,7 milhões de pessoas. Só na JMJ de Manila, nas Filipinas, em 1995, foram mais pessoas: 4 milhões. A viagem ficou marcada pela proximidade de Francisco com as pessoas.
Assim que o papa chegou ao Brasil, no dia 22 de julho, no caminho do aeroporto para a catedral de São Sebastião, o carro que transportava Francisco ficou preso no trânsito do centro da cidade. Uma multidão cercou o veículo e o papa deixou as janelas do carro abertas. Muitos tentaram se aproximar, ver e tocar o papa.
Cada vez que o papa se deslocava pela cidade, multidões se reuniam para vê-lo passar, jogar presentes e tentar de alguma forma se comunicar com Francisco.
Num desses momentos, um menino de nove anos conseguiu não só romper a barreira de segurança e alcançar o papamóvel para se aproximar do papa. Ele falou com o papa e o abraçou. Era Nathan de Brito, que contou ao papa sobre seu desejo de ser padre. O papa disse que rezaria por ele e pediu que rezasse também por sua vocação. A foto de Nathan abraçando o papa Francisco se tornou uma das imagens de maior repercussão da jornada. Atualmente, Nathan é seminarista na arquidiocese de Campo Grande (MS).
A grande presença de pessoas na vigília e missa de envio da JMJ foi possível por causa de um imprevisto. O evento aconteceria no Campus Fidei, em Guaratiba, Zona Oeste do Rio. Toda a estrutura já estava montada, mas uma forte chuva inundou o local. A vigília e a missa foram então transferidas para a Praia de Copacabana. O papa refletiu sobre o contratempo na vigília: “Por causa do mau tempo, tivemos que suspender a realização desta vigília no Campus Fidei’ em Guaratiba. O Senhor não quer nos dizer que o verdadeiro Campus Fidei, o verdadeiro Campo da Fé não é um lugar geográfico, mas nós mesmos? Sim, é verdade! Cada um de nós, cada um de vocês, eu, todos. E ser discípulo missionário é saber que somos o Campo da Fé de Deus”.
Além da programação da JMJ, o papa Francisco teve outros compromissos no Rio de Janeiro. Ele participou da inauguração de um pavilhão no Hospital São Francisco de Assis da Providência de Deus, na Tijuca, dedicado ao atendimento de dependentes químicos.
Dessa visita surgiu, anos depois, o projeto do Barco Hospital Papa Francisco, na Amazônia. No hospital, Francisco perguntou aos frades se eles estavam presentes na Amazônia e os encorajou a realizar um projeto voltado para aquela região. O Barco Hospital foi inaugurado oficialmente em agosto de 2019, às vésperas do Sínodo da Amazônia.
Durante sua visita ao Rio de Janeiro, Francisco também foi à comunidade de Varginha, em Manguinhos, onde esteve com os moradores, visitou a casa de uma família, uma capela e parou em uma igreja evangélica da Assembleia de Deus. Francisco rezou com um pároco e pessoas que estavam em frente ao local. Mais tarde, o então porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi, disse que este “foi um momento ecumênico, espontâneo e muito bonito”.
O papa também foi ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, Aparecida (SP), no dia 24 de julho. Foi um pedido pessoal do papa. No santuário, venerou a imagem de Nossa Senhora Aparecida encontrada em 1717 no rio Paraíba do Sul, celebrou missa e rezou ato de consagração à padroeira do Brasil. Uma multidão foi ao encontro de Francisco no santuário.
Foi ao final dessa viagem ao Brasil que o papa teve seu primeiro contato com jornalistas no voo papal e disse uma frase que teve grande repercussão. “Quem sou eu para julgar?”, disse Francisco em relação a um hipotético homossexual em busca de Deus.
Sínodo da Amazônia
Em 2015, o papa Francisco convocou o Sínodo da Amazônia, que envolveu não só o Brasil, mas também outros países da região amazônica da América do Sul. “O objetivo principal desta convocação é identificar novos caminhos para a evangelização daquela porção do Povo de Deus, especialmente dos indígenas, frequentemente esquecidos e sem perspectivas de um futuro sereno, também por causa da crise da Floresta Amazônica, pulmão de capital importância para nosso planeta”, disse o papa ao fazer o anúncio.
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Participaram do sínodo em outubro de 2019, no Vaticano, entre outros, bispo dos nove países cujos territórios abrangem partes da Amazônia. O maior número foi do Brasil, com 58, seguido por Colômbia (17), Bolívia (12), Peru (11), Equador (7), Venezuela (7) e Antilhas (4).
O documento final do sínodo da Amazônia abordou alguns temas controversos, como a ordenação de homens casados, o diaconato feminino e a criação de um rito amazônico.
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Em fevereiro de 2020, o papa publicou a exortação apostólica pós-sinodal Querida Amazônia, na qual não abriu as portas para os sacerdotes casados. O papa disse que, para ajudar os padres, os leigos “poderão anunciar a Palavra, ensinar, organizar as suas comunidades, celebrar alguns sacramentos, buscar várias expressões para a piedade popular e desenvolver os múltiplos dons que o Espírito derrama neles”. E, como solução para a necessidade de mais padres, pediu aos bispos, especialmente aos da América Latina, para “promover a oração pelas vocações sacerdotais e também a ser mais generosos, levando aqueles que demonstram vocação missionária a optarem pela Amazônia”.
Sobre a proposta das diaconisas, vista por muitos como um primeiro passo rumo à ordenação de mulheres para o sacerdócio, Francisco disse na Querida Amazônia que as mulheres “realizam um papel central nas comunidades amazônicas” e que em uma Igreja sinodal “deveriam poder ter acesso a funções e inclusive serviços eclesiais que não requeiram a Ordem sacra e permitam expressar melhor o seu lugar próprio”.
Uma das propostas presentes no documento final do sínodo e que se concretizou foi a criação de um novo “Organismo Eclesiástico Regional Pós-sinodal para a região amazônica”. Em 2021, foi erigida canonicamente a Conferência Eclesial da Amazônia, vinculada à presidência do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), da qual dom Hummes foi o primeiro presidente.
É no âmbito dessa mesma conferência eclesial que vem sendo estudada outra proposta do documento final do sínodo e que não está presente em Querida Amazônia: o rito amazônico.
Posteriormente, em agosto de 2022, o arcebispo de Manaus (AM), dom Leonardo Steiner, foi criado cardeal pelo papa Francisco, tornando-se o primeiro cardeal da Amazônia brasileira. Para Steiner, sua criação cardinalícia foi um reconhecimento e um convite do papa Francisco à implantação do que foi debatido no sínodo da Amazônia. Ele disse que, com esta nomeação, o papa estaria “pedindo a nossas igrejas que assumam o sínodo, especialmente o texto Querida Amazônia e o documento final do sínodo dos bispos para a Amazônia”.
Steiner também considera que “o Sínodo para a Amazônia ajudou a abrir essa experiência (de sinodalidade) e a participação de todos”, do Sínodo da Sinodalidade, convocado pelo papa Francisco, que teve suas sessões em 2023 e 2024, no Vaticano, depois de um processo de escuta em todo o mundo, que começou em 2021.
Outros cardeais brasileiros criados por Francisco
No total, o papa Francisco criou cinco cardeais. Além de Leonardo Steiner, receberam o barrete cardinalício das mãos de Francisco: o arcebispo do Rio de Janeiro, cardeal Orani João Tempesta; o arcebispo de Salvador (BA) e primaz do Brasil, cardeal Sérgio da Rocha; o arcebispo de Brasília (DF), cardeal Paulo Cezar Costa; e o arcebispo de Porto Alegre (RS), cardeal Jaime Spengler.
Com esse número, em seus 12 anos de pontificado, Francisco é o terceiro papa a criar mais cardeais brasileiros. Ele fica atrás apenas de Paulo VI, que criou seis cardeais brasileiros em 15 anos de pontificado, e de João Paulo II, que criou seis cardeais brasileiros em 26 anos de pontificado.
“Pelé x Maradona” e “Cachaça não é água”
O papa Francisco também é lembrado pelo senso de humor e as brincadeiras que fazia com os brasileiros sempre que os encontrava, geralmente envolvendo o jogador de futebol Pelé ou a cachaça.
Em agosto de 2015, em um encontro com membros do Movimento Eucarístico Jovem de todo o mundo, a brasileira Ana Carolina Santos Cruz fez uma pergunta ao papa sobre a maior dificuldade que ele enfrentou como religioso. Depois de responder que era “saber distinguir a verdadeira paz de Jesus”, Francisco lhe devolveu uma pergunta: “Quem é melhor, Maradona ou Pelé?”. Ela respondeu Pelé e os dois caíram na gargalhada.
A mesma pergunta foi feita a um jovem identificado como Matheus, em uma audiência com os membros da Comunidade Católica Shalom, em 2017.
Tempos depois, o próprio Francisco deu a sua resposta. Em uma entrevista ao telejornal italiano TG1, em 2023, o diretor do programa, Gianmarco Chiocci, perguntou: “Entre Messi e Maradona, quem você prefere?”. E o papa Francisco respondeu: “Acrescentarei um terceiro: Pelé”.
Outro tema que se tornou recorrente nas brincadeiras do papa com os brasileiros foi a cachaça. Em maio de 2021, Francisco foi abordado no Vaticano pelo padre João Paulo Souto Victor, de Campina Grande (PB). O sacerdote pediu: “Santo Padre, reze por nós, brasileiros”. O papa respondeu: “Vocês não têm salvação. É muita cachaça e pouca oração”. Em resposta, em uma audiência em agosto de 2022, o papa recebeu de presente da brasileira Cristina Chaim uma garrafa de cachaça com os dizeres: “Muita oração e pouca cachaça”.
No mesmo mês, Francisco perguntou à jornalista brasileira Maria Beltrão em uma audiência: “Tenho uma dúvida: cachaça é água?”.
E, no mês seguinte, ao receber um livro do deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP) em no Encontro da Economia de Francisco e Clara, o papa perguntou: “Trouxe o livro, mas não trouxe a cachaça?”.
Na Jornada Mundial da Juventude de 2023, em Lisboa, Portugal, foi o brasileiro Pedro Luiz de Carvalho, missionário da Comunidade Shalom, que ouviu a brincadeira do papa. Pedro participou de um almoço com Francisco e outros nove jovens na nunciatura apostólica do Lisboa.
“Comigo, fez aquela brincadeira do Brasil e a cachaça. Eu falei para ele que no Brasil tem aquela música ‘cachaça não é água não’, depois o patriarca de Lisboa brincou ‘mas é água ardente’”, contou à ACI Digital depois do almoço.