Quero lhes trazer aqui a reflexão do Jesus o Bom Pastor, tema do Evangelho do 4º Domingo da Páscoa – Ano B (Jo 10,11-18), esta feita pelo Padre Paulo Ricardo.
O pastoreio no sacerdócio e na família
O verdadeiro Pastor é vítima, não vitimista.
Este 4.º Domingo da Páscoa é conhecido como Domingo do Bom Pastor, exatamente porque o Evangelho de hoje é sempre uma leitura do capítulo 10 do Evangelho de São João. Nesta parte do grande discurso sobre o Bom Pastor (v. 11-18), Jesus fala de si mesmo, ou seja, Ele se identifica como essa figura que se contrapõe a do mercenário, que não é verdadeiro pastor, mas um usurpador das ovelhas.
“Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas. O mercenário, que não é pastor e não é dono das ovelhas, vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as ataca e dispersa.”
— São João 10, 11s
Por não ser dono das ovelhas, o mercenário abandona-as quando vê chegar o lobo. Por quê? Porque é característico do mercenário trabalhar por dinheiro, ou seja, por interesse próprio. Vemos assim que o verdadeiro pastor, do qual Jesus é o modelo máximo, é o pastor movido pela caridade.
“Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos.”
— São João 15, 13
Ora, se pensarmos bem na figura dos nossos pastores, ou seja, os ministros ordenados, padres e bispos, responsáveis pelas ovelhas de Deus, veremos como Jesus preparou os seus. Os Apóstolos terminaram por derramar o sangue como bons pastores. Todos deram a vida pelas ovelhas, com exceção de São João Evangelista, que viveu o martírio aos pés da Cruz de Cristo na companhia da Virgem Maria.
Jesus o Bom Pastor nos livrou do medo
Mas como foi que Jesus levou esses homens — inicialmente uns medrosos que saíram correndo do Horto das Oliveiras e até negaram o Mestre — a se tornarem bons pastores, e não mercenários? Antes de tudo, Jesus mesmo lhes serviu de exemplo. Ao morrer na Cruz, Nosso Senhor nos livrou de nossas misérias. O próprio São Pedro, príncipe dos Apóstolos e primeiro dos Doze, no-lo recorda:
Cristo padeceu por vós, deixando-vos exemplo para que sigais os seus passos. Ele não cometeu pecado, nem se achou falsidade em sua boca (Is 53, 9).
— 1.ª Carta de São Pedro 2, 21b-22
Pedro está falando, é claro, aos seus fiéis; mas é evidente que ele tem em vista, ao dizer essas coisas, os próprios padres e bispos, e a si mesmo, por ter traído Jesus. É quase uma confissão daquele que, com falsidade na boca, havia negado Jesus dizendo que não o conhecia, “fugindo diante do lobo” na corte de Caifás; mas professa agora a sua fé em Jesus, o Servo profetizado por Isaías:
Ele, ultrajado, não retribuía com idêntico ultraje; maltratado, não proferia ameaças, mas entregava-se àquele que julgava com justiça.
— 1.ª Carta de São Pedro 2, 23
Pedro está descrevendo Cristo pastor, mas como? Como o Cordeiro vítima. Isso nos mostra que, se quisermos ser bons pastores, precisamos ser o Cordeiro que se oferece como vítima, e isso aplica-se a todos, não somente aos sacerdotes ordenados.
Primeiro, porque todo leigo tem a obrigação de rezar pelos padres e bispos, para que se tornem o que devem ser, vítimas de amor, assim como Cristo, o Bom Pastor, foi também o Cordeiro imolado. Além disso, todo cristão é de alguma forma pastor, por ter alguém sob a sua responsabilidade.
Todo pai de família, por exemplo, é pastor dos próprios filhos e tem a obrigação de levá-los para o Céu. E vai levá-los como? Não com jogos retóricos nem com estratégias de marketing. Ou se entrega, derramando o próprio sangue pela salvação dos seus filhos; ou então, não vai funcionar.
O Bom Pastor que carrega sua ovelhas no colo
Nosso Senhor Jesus Cristo “carregou os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro, a fim de que, mortos para os nossos pecados, vivamos para a justiça” (1Pe 2, 24). Eis aí como Jesus fez bons os seus pastores: Ele morreu na Cruz, a fim de que, mortos para os nossos pecados, vivamos para a justiça, quer dizer, para uma vida de santidade.
Essa morte, nós a vivemos no dia a dia quando somos chamados a morrer para as nossas vontades e caprichos. Essas mortes, pequenas ou grandes, são fonte de vida, quando vividas em união com Cristo sofredor.
Quando Jesus foi entregue aos algozes, cumpriu-se a profecia: “Golpeado o pastor, dispersaram-se as ovelhas” (Zc 13, 7). Sim, não são apenas os mercenários que fogem; também as ovelhas fogem, desgarradas e assustadas. Agora, porém, olhando para a Cruz de Cristo e para a glória da sua vitória de Ressuscitado, somos atraídos e podemos retornar confiantes: “Pois éreis como ovelhas desgarradas, mas agora vos convertestes ao pastor e guarda (‘epískopon’) de vossas almas” (1Pe 2, 25), quer dizer, “ao pastor e bispo de vossas almas”.
Ora, o que é um bispo (“epískopon”)? Um supervisor, alguém de olhar providente e bondoso. Cristo guarda nossas almas com o olhar, como é próprio de um pastor, que sabe quantas ovelhas possui e quem é cada uma delas. Todo pastor tem de ser bispo, ou seja, tem de supervisionar as ovelhas; numa palavra, ser o guardião delas.
Assim, vemos em Jesus aquilo que precisamos ser. Se antes éramos ovelhas errantes, agora, sigamos os passos dele — dando a vida como Ele a deu. De fato, o evangelista, ao descrever o Bom Pastor, retrata-o como o Cordeiro, o mesmo do Apocalipse, a quem as ovelhas seguem.
“porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os levará às fontes de águas vivas; e Deus enxugará toda lágrima de seus olhos.”
— Apocalipse 7, 16
Sacerdote e pastoreio
O Cordeiro está imolado mas de pé, está no meio do trono e é o próprio Bom Pastor que apascenta as ovelhas. Parece contraditório, mas não o é. É verdadeiro pastor o que dá a vida pelas ovelhas; logo, é vítima, como um cordeiro imolado, mas de pé.
Essa é uma nota importantíssima do sacerdócio católico. Muitos não entendem, por isso reclamam: “Por que padre tem de ser celibatário? Não há uma alternativa mais ‘moderna’? Que tal contratar um funcionário para ser servidor da comunidade?”, mais ou menos como um “pastor” protestante, contratado por um grupo de pessoas que “congregam”.
Para nós católicos, o padre não é um “servidor da comunidade”; ele é vítima imolada. Não à toa, nós padres usamos batina preta: é uma mortalha, sinal de um homem morto. Por isso, é triste ver alguns seminaristas e padres jovens a usarem como se fosse uma espécie de fantasia para um baile solene: vão à igreja de batina, apresentam-se ao povo, e depois voltam à casa paroquial, tiram-na, põem uma camiseta e vão para a vida. Não, batina não é roupa de gala, ela fala da imolação do sacerdote.
Aliás, é exatamente por isso que há tanta divisão na Igreja, entre padres mais tradicionais ou conservadores, de um lado, e padres mais voltados para a sensibilidade social, da Teologia de Libertação, de outro. Essa divisão existe dentro da Igreja porque perdemos a dimensão do sacerdote-vítima.
O Bom Pastor que dá a vida pela sua família
Ora, se o padre não é vítima entregue pela salvação das ovelhas, o sacerdócio degrada-se de fato numa “estrutura de poder”, que pode inclusive se tornar opressora, além de perigosa para a alma dos que se ordenam pensando unicamente nas vantagens do estado clerical. Não é à toa que tantos padres jovens, com pouquíssimo tempo de sacerdócio, desanimam e desistem. A razão é simples: se você não está morrendo por ninguém, o sacerdócio perde o sentido.
Por quê? Porque padre é pai. E o que é um pai? Alguém que derrama o sangue para levar os filhos para o Céu. A Igreja é uma família, e o padre (assim como o pai de família) tem a missão de dar a vida por seus filhos.
Ora, André, por que as famílias estão se desagregando? Porque as pessoas se casam, mas continuam com uma mentalidade egoísta. O casamento consiste em dois amores que se unem para levar os filhos para o Céu. Nesse sentido, é mercenário quem se casa pelo interesse de “ser feliz” às custas de ter uma família. Também quem é casado exerce um sacerdócio: ser pastor da família, dando a vida por ela.Eis o que caracteriza um pai e uma mãe de verdade. É uma questão de maturidade não só espiritual, mas fundamentalmente humana: todos nós precisamos nos compreender como alguém que vive para os outros e dá a vida por eles. Ao contrário, quem não se faz vítima de amor pelos outros termina sendo um vitimista com rancor dos outros.
Dar a vida hoje está “fora de moda”
E por que é necessário dar a vida? Há um versículo muito importante neste capítulo, mas que infelizmente não é proclamado no Evangelho deste domingo:
“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância.”
— São João 10, 10b
Sim, Jesus veio para que tivéssemos vida em abundância, isto é, vida eterna, e não meramente biológica.
O Bom Pastor dá a vida entregando-a em sacrifício na Cruz. Jesus sacrificou sua vida biológica a fim de merecer para nós uma outra vida: a zōḗ, a vida eterna. Teria um mercenário virtude o bastante para isso, se nem nós somos capazes de o fazer por nossos filhos? Para tanto, precisamos estar unidos ao Bom Pastor, entregando-nos de volta a Ele, porque a vida eterna é uma graça.
André, a forma de nos entregar a Jesus é bem concreta: entregando-nos aos outros, doando-nos pelas ovelhas que Deus nos confiou.
Tanto os padres quanto os leigos possuem ovelhas que precisam levar ao Céu. Nós nos unimos a Cristo na Cruz, e o nosso sofrimento, por si só tão inútil, até ridículo às vezes, recebe uma eficácia vinda do Céu. Quando nos unimos a Jesus, o nosso sofrimento, antes estéril, torna-se fecundo e gera vida eterna. Não se unir a Ele é derramar sangue à toa.
Por fim, é importante dirigir uma palavra às mães espirituais que se entregam como vítimas pelos sacerdotes. Todo sacerdote tem de ser vítima; mas para que isso ocorra, quanta oração não será necessária! Então, há muitas mulheres que, seguindo o exemplo de tantas santas ao longo da história, entregam-se como vítimas pelos sacerdotes. Por isso, precisamos agradecer a essas mulheres e pedir que Deus lhes pague por tudo, absolutamente tudo, o que têm feito pelos sacerdotes.
Então, neste Domingo do Bom Pastor, renovemos o propósito de nos entregar por nossas ovelhas. Peçamos a Deus mais sacerdotes e pastores mais generosos, que se entreguem como vítimas. E você que é leigo, entregue-se também como vítima pelos sacerdotes e pelas ovelhas que Deus lhe houver confiado.
Deus abençoe a sua semana!