As nomeações femininas de Francisco são destaque no jornal do Vaticano de maio

06/maio/2025


Na edição de maio da revista mensal do jornal vaticano "L'Osservatore Romano", intitulada "Donne Chiesa Mondo" ("Mulheres, Igreja, Mundo"), em primeiro plano está uma reportagem sobre as escolhas feitas pelo Papa Bergoglio na administração do Vaticano.

Romilda Ferrauto e Marie-Lucile Kubacki*

Mais recentemente, o Papa Francisco havia impresso uma aceleração, como de urgência, para mudar o peso da presença feminina na Igreja.

No sábado, 15 de fevereiro, enquanto estava internado no hospital já há 24h, a sala de imprensa da Santa Sé oficializou, publicando no boletim, uma nomeação memorável que o Papa havia anunciado na TV: a partir de 1º de março de 2025, a freira franciscana Raffaella Petrini se tornaria presidente do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano, do qual era já secretária-geral desde 2021. 

Um ponto notável de descontinuidade na administração do Vaticano: pela primeira vez, o poder executivo dentro da cidade-estado que é o coração da Igreja Católica Romana está, no lugar do Papa, nas mãos de uma pessoa não ordenada e, além disso, uma mulher. O Vaticano tem uma governadora. 

E mais: em aplicação da Lei Fundamental do Estado da Cidade do Vaticano, Petrini também se torna presidente da Comissão Pontifícia que, composta por cardeais, tem funções legislativas: é o órgão que tem a tarefa de aprovar as leis e as outras disposições normativas, e delibera anualmente o orçamento e o plano financeiro trienal. Mais uma vez, a nomeação de Petrini representa uma “primeira vez”: de fato, a própria Lei Fundamental estabelece que o cargo de presidente deve ser ocupado por um cardeal e, desta vez, não é esse o caso. Na Pontifícia Comissão, Raffaella Petrini também se vê trabalhando com uma outra mulher: um dos membros do Colégio de Conselheiros de Estado, a quem são submetidas as questões de direito, é de fato a Irmã Alessandra Smerilli, economista e Filha de Maria Auxiliadora, nomeada pelo Papa em 2019. 

Sem muitas distinções, este é um momento histórico. Já com a nova constituição da Cúria, Predicate Evangelium, promulgada em 19 de março de 2022, Francisco havia se pronunciado decisivamente a favor de uma maior participação dos leigos: "todo cristão, em virtude de seu batismo, é um discípulo missionário... A reforma (da Cúria) deve, portanto, prever a participação de homens e mulheres leigos, também em cargos de governo e de responsabilidade".  Mas neste ano de 2025 ele acelera com um duplo movimento. Antes da nomeação de Raffaella Petrini, de fato, em 6 de janeiro, houve a da freira missionária italiana Simona Brambilla como prefeita do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Brambilla é a primeira mulher a chefiar um dicastério da Cúria Romana, e um de grande importância. E vai assinar como Prefeita.

Muitas e muitos dizem que isso ainda é pouco. Que o poder com P maiúsculo continua firmemente nas mãos dos homens e é inabalável. Mas os movimentos de Francisco marcam os tempos e são uma consequência do avanço lento, mas constante, das mulheres na Cúria e no Vaticano. Os dados: entre 2013 e 2023, a porcentagem de mulheres que trabalham para a Santa Sé aumentou de quase 19,2% para 23,4%, com apreciação reconhecida. "Nos dicastérios do Vaticano, onde agora há mais mulheres do que no passado e onde elas ocupam cargos mais altos, a atmosfera mudou radicalmente. Bastam algumas mulheres e a Cúria não é mais aquele círculo clerical restrito que, infelizmente, é tão facilmente estigmatizado", declarou o cardeal Jean-Paul Vesco, arcebispo de Argel, na revista mensal de março de 2024.

Sem precedentes, a irmã Raffaella Petrini já havia sido nomeada, juntamente com outras duas mulheres, como um dos três primeiros membros do Dicastério para os Bispos em 2022, um papel crucial na vida da Igreja. Em outras palavras: três mulheres contribuem para a seleção dos futuros bispos. Os seus perfis são indiscutíveis: junto com Petrini, há a francesa Yvonne Reungoat, ex-superiora geral da Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora, e a socióloga argentina e virgem consagrada María Lía Zervino, ex-presidente da União Mundial de Organizações Femininas Católicas e diretora da Comissão de Justiça e Paz da Conferência Episcopal Argentina. Competentes, de grande personalidade, nada tímidas diante do poder. Em 2021, Zervino enviou uma carta aberta ao Papa Francisco, na qual escreveu que o que estava em jogo nas nomeações de mulheres não era “ocupar cargos para serem vistas como ‘flores’ decorativas, ou porque está na moda nomear mulheres, nem alcançar posições para ‘escalar’ o poder”, mas que se trata de “servir a Igreja com os dons que o Pai Criador nos deu”.

Com razão, essas nomeações de alto nível foram manchetes em todo o mundo, mas são o ponto culminante de um processo que começou há algum tempo, embora com menos clamor.

Os anais datam de 1915 a presença da primeira leiga assalariada nos Estados Papais: uma costureira italiana. Em 1929, entretanto, surgiu a primeira mulher graduada. Alguns anos depois, em 1934, enquanto os nazistas acabavam de chegar ao poder na Alemanha, Pio XII chamou a famosa arqueóloga judia Hermine Speier para cuidar dos arquivos fotográficos dos Museus do Vaticano. E pesquisas posteriores mostraram que houve outras colaboradoras antes dessas pioneiras.

Historicamente, a nomeação de mulheres para cargos de responsabilidade começou com Paulo VI, na esteira do Concílio Vaticano II. Mas foi com o pontificado de Jorge Mario Bergoglio que um número substancial de representantes do sexo feminino chegou alcançou as estruturas de poder da Santa Sé. Em 1994, menos de um ano após sua eleição para o trono de Pedro, Francisco nomeou a socióloga britânica Margaret Archer presidente da Pontifícia Academia de Ciências Sociais. Nada de revolucionário na época: afinal, vinte anos antes, João Paulo II havia nomeado a diplomata americana Mary Ann Glendon para o mesmo cargo. A nomeação do pontífice argentino, entretanto, é o início de um caminho que nunca foi interrompido. Apenas dois anos mais tarde, em 2016, duas nomeações papais fizeram sucesso em todo o mundo, trazendo duas mulheres merecidamente para o centro das atenções: Paloma García Ovejero, uma jovem jornalista espanhola, tornou-se vice-diretora da sala de imprensa da Santa Sé e Barbara Jatta, uma historiadora de arte italiana, tornou-se diretora dos Museus do Vaticano. É claro que o componente feminino já está presente tanto no mundo da comunicação quanto no da arte e da cultura, mesmo no universo tradicionalmente masculino do Vaticano. Afinal, Jatta sucede a diretores leigos, homens mas leigos. No entanto, está claro para todos que um marco importante foi alcançado: pela primeira vez, duas mulheres assumem uma função gerencial em duas instituições de prestígio. Jatta dirige um colosso cultural, o terceiro maior museu do mundo e uma das principais fontes de renda do Estado da Cidade do Vaticano. García Ovejero é a primeira mulher a falar em nome do Soberano Pontífice.

Houve uma mudança de funções secundárias para nomeações na linha de frente. As mulheres subsecretárias - o terceiro nível de gerência dentro das principais equipes do Vaticano - não eram novidade. O próprio Paulo VI havia nomeado uma mulher como subsecretária do Conselho para os Leigos. João Paulo II nomeou outra para a Vida Consagrada. E Bento XVI nomeou outras duas, respectivamente para a Vida Consagrada e para o Conselho Pontifício para Justiça e Paz.

Mas Francisco apertou o acelerador: aqui estão Gabriella Gambino e Linda Ghisoni no Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida; Irmã Carmen Ros Nortes na Vida Consagrada, Irmã Silvana Piro na Administração do Patrimônio da Sé Apostólica, Antonella Sciarrone Alibrandi na Cultura e Educação...

A princípio, os detratores e os eternos estraga-prazeres afirmam com ceticismo que se trata de uma operação de fachada, de nomeações cenográficas limitadas a campos com pouca influência na vida da Igreja universal.

Em janeiro de 2020 e fevereiro de 2021, no entanto, dois choques reais ocorreram nas estruturas de poder da Cúria Romana: duas mulheres se viram em funções de tomada de decisão até então predominantemente atribuídas a clérigos. Francesca Di Giovanni, uma jurista italiana, tornou-se a primeira mulher a ocupar o cargo de subsecretária na Secretaria de Estado, o governo da Igreja, o Palácio Sagrado por excelência, considerado impenetrável no imaginário coletivo. A Irmã Nathalie Becquart, uma xaveriana francesa, entra para a equipe de gestão da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, o importante órgão criado por Paulo VI, independente da Cúria Romana.

“O primeiro sinal interno forte foi a nomeação de uma focolarina, Francesca Di Giovanni, como chefe de assuntos multilaterais da Secretaria de Estado em 2020”, recorda o teólogo Martin Pinet, autor de Le pouvoir dans l'Église, on en parle? (Cerf, 2025). “Uma mulher tinha sob sua autoridade não apenas leigos ou religiosos, mas também sacerdotes e diplomatas”.  Por sua vez, ao se tornar subsecretária da secretaria geral do Sínodo dos Bispos, Nathalie Becquart, formada pela prestigiosa Escola Ec Ec de Paris, obteve automaticamente o direito de votar nas assembleias gerais do Sínodo dos Bispos, uma brecha em uma parede. A questão do direito de voto das mulheres no Sínodo tinha sido, de fato, o centro de uma amarga controvérsia durante as últimas assembleias e tinha recebido muita cobertura da mídia. Francisco marcou outro ponto de virada importante, dando um impulso ao processo.

A partir daí, tudo se acelera, com uma cascata de nomeações e a inclusão de várias mulheres no governo da Igreja. Em 2020, de uma só vez, seis mulheres - de um total de quinze membros - tornaram-se membros do Conselho para a Economia, o órgão que supervisiona as atividades econômicas. Uma revolução para os padrões da Cúria Romana. Em 2021, outro marco importante: a freira e economista italiana Alessandra Smerilli se torna a número dois do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, o cargo mais alto já ocupado por uma mulher.

Francisco também é o primeiro Papa a nomear mulheres como membros dos órgãos da Cúria, uma presença cujo peso nem sempre é totalmente apreciado. Outra novidade de Francisco é a nomeação de mulheres secretárias para as comissões pontifícias: Nuria Calduch-Benages para a Pontifícia Comissão Bíblica, Emilce Cuda para a Pontifícia Comissão para a América Latina, Raffaella Giuliani para a Pontifícia Comissão para a Arqueologia Sagrada...

Uma lista de mulheres, ainda numericamente pequena, mas competente e significativa, agora ocupa um lugar no centro do palco. “Teologicamente”, explica Martin Pinet, "não há nada que impeça que um poder delegado seja exercido por um leigo e, portanto, por uma mulher, porque na realidade todos os poderes exercidos na Cúria são os chamados poderes delegados, ou seja, exercidos como uma participação no ministério do Bispo de Roma. As nomeações curiais femininas são, portanto, justas e saudáveis, pois permitem que nos afastemos da opinião, ainda prevalecente em alguns círculos e sem qualquer base teológica, de que os homens sejam intrinsecamente feitos para governar e as mulheres para servir, e que nas mulheres hajam fatores incompatíveis com o exercício do poder".

Em 16 de abril, cinco dias antes da sua morte, dirigindo-se à reitora da Università Cattolica del Sacro Cuore, Elena Beccalli, Francisco repetiu: “quando as mulheres comandam, as coisas acontecem”.

* Responsáveis pela coluna Religião de "La Vie"

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