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Do coração do homem à paz mundial: a perspectiva de “Esperança” do Papa Francisco

Em “Esperança – a autobiografia” Papa Francisco nos lembra que a verdadeira paz se inicia com a transformação interior e se manifesta em ações de justiça e fraternidade.

Padre Robson Caramano, Diocese de São Carlos, SP

O mundo está marcado por uma complexa rede de conflitos armados com profundas repercussões internacionais e humanitárias. A dificuldade em alcançar resoluções pacíficas para disputas geopolíticas, ideológicas e territoriais está expressa no modo que se intensifica e se prolifera discursos e atitudes cada vez mais violentas. Entre os principais focos de tensão, destacam-se a guerra na Ucrânia, o conflito Israel-Palestina, em Gaza, a guerra civil no Sudão e a violência em Myanmar, recentemente afetada por um terremoto de grande magnitude.

Esses embates não apenas matam vidas, mas também desencadeiam crises migratórias, econômicas e ambientais de proporções globais. Diante desse cenário sombrio e de consequências devastadoras, emerge uma questão fundamental: por que a humanidade continua a recorrer à guerra como “solução”, mesmo sabendo de suas consequências catastróficas? Em seu livro autobiográfico, “Esperança”, Papa Francisco nos apresenta, não apenas uma leitura desta realidade conflituosa, mas, também, acena para caminhos que a Humanidade deve construir para trilhar.

Bem se sabe que guerra não é um fenômeno isolado, mas um sistema que alimenta crises interligadas. Essa interconexão de problemas se manifesta de diversas formas, como na questão dos refugiados. Como afirma o Papa Francisco, “a maior fábrica de migrantes é a guerra“. De fato, como exemplo, os conflitos na Ucrânia e no Sudão já deslocaram milhões de pessoas para os países vizinhos, agravando tensões sociais. Paradoxalmente, muitas das nações que produzem e vendem armas são as mesmas que depois fecham suas fronteiras aos refugiados.

Segundo dados do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) 74.346 migrantes chegaram à Europa em 2024. O cardeal Pietro Parolin, em recente discurso, destacou a necessidade de uma Europa mais acolhedora, lembrando que “a humanidade deve começar pelo bem aos mais vulneráveis“. A essa crise humanitária se soma outro fator que impulsiona a migração: a pobreza, que incentiva as pessoas a deixarem suas terras em busca de uma nova vida. Não obstante todo o esforço dos líderes humanitários de incentivarem a acolhida e políticas migratórias que garantam a dignidade das pessoas, constatamos que, enquanto o comércio bélico prospera, a solidariedade internacional muitas vezes falha.

Solidariedade cada vez mais enfraquecida pela rivalidade alimentada entre aqueles que vivenciam o horror da Guerra e o vazio da miséria. Os acordos de paz parecem não serem suficientes, e ainda que colocassem fim aos conflitos, as consequências se estendem para além do levantar uma bandeira branca. “O que deixa uma guerra? Sua macabra contabilidade, primeiro. Depois, injustiça sobre injustiça. E, por fim, os germes de um novo conflito“. Essa perpetuação da violência é evidente em diversos cenários globais. Essa dinâmica é visível em Gaza, onde décadas de violência só aprofundaram ódios, e outros lugares de tensão, onde golpes e massacres se repetem em ciclos intermináveis.

Muitos podem se firmar na ideia de uma “guerra justa”, mas isso é uma ilusão perigosa. Não há justiça na guerra, não há inteligência na guerra. “A guerra inteligente não existe: ela só traz miséria, e as armas só trazem morte” – escreve Papa Francisco, “enquanto Deus chama à criação, a guerra destrói tudo — até o mais belo de Sua obra: o ser humano“. Com essa contundente reflexão, encontramos a resposta para a pergunta inicial deste artigo: a guerra não é apenas um instrumento de dominação, ela é uma declaração de poder destrutivo. A indústria bélica lucra com a destruição, tantos enriquecem, enquanto populações inteiras sofrem as consequências.

E O QUE ISSO TEM A VER COMIGO?

O que acompanhamos, todos os dias, nas atualizações de notícia é um reflexo, em grande escala, das atividades e atitudes pequenas realizadas em nossas relações cotidianas. E aqui um olhar especial para a mentalidade do Papa Francisco que sempre acreditou na força transformadora das ações mais simples. De pouco em pouco elas vão impactando as grandes esferas, mas essa transformação precisa acontecer. Portanto, a solução para a complexa rede de conflitos globais também passa pelas nossas ações individuais.

A solução apresentada por Francisco para superarmos os conflitos presentes no mundo hoje passa pelo coração do homem. “O coração do homem é, também, o primeiro passo de cada caminho de pacificação” – escreve ele, colocando cada um de nós como colaborador, a partir do coração convertido, para um mundo mais justo e fraterno. Essa mudança interior, no entanto, precisa se manifestar em ações concretas no nosso dia a dia.

A paz não é apenas a ausência de guerra, mas a presença ativa da justiça. Se os conflitos atuais mostram algo, é que a humanidade ainda não aprendeu a romper o ciclo de violência. A chave para essa ruptura reside na compreensão do poder das pequenas ações. Só é possível romper este ciclo quando cada indivíduo da sociedade entende o impacto transformador que uma pequena ação pode gerar em grande escala. Se queremos ter a capacidade de compreender como se faz a paz, e a força para fazê-la, façamos tudo pequeno – encerra o segundo capítulo de sua autobiografia com esta frase o Papa.

Depois de resumir que “a guerra é loucura”, chama a cada um de nós para viver esta, também loucura, de ir à contramão. Neste tempo de Quaresma, já quase nos aproximando da Semana da Paixão do Senhor, somos convidados a encarar, também, esta cruz que pede de nós paciência, compreensão, empatia, não fugirmos dela.

Essa “loucura” do amor e da compaixão contrasta diretamente com a loucura destrutiva da guerra. Se por um lado a loucura da guerra destrói e mata, a loucura da cruz nos chama a uma conversão autêntica que nos faz produzir uma cultura do encontro, em meio a uma sociedade do conflito. Diante disso: o que você pode fazer, hoje, de concreto, para mudar o mundo ao seu redor, sendo um promotor da paz, da justiça e da fraternidade?

 

Padre Robson Caramano, padre da Diocese de São Carlos, Mestre em Linguagens, Mídia e Arte pela PUC Campinas e aluno do Programa de Mestrado em Filosofia com Especialização em Filosofia Prática da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma

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