Dom Oriolo: A casa paroquial e sua significação teológica



O Concilio Vaticano II aponta: a moradia do sacerdote deve ser um espaço humilde e acessível, que reflita a simplicidade de sua missão (cf. PO 17).

Dom Oriolo – Bispo da Igreja Particular de Leopoldina MG

Recentemente, ao ler “Filosofia da Casa: o espaço doméstico e a felicidade“, de Emanuele Coccia, fui impulsionado a estabelecer um paralelo entre as reflexões do autor e a casa paroquial, concebendo-a como um espaço teológico. Quando lecionei filosofia sempre comentava que a casa é onde nos encontramos em nossa essência mais profunda, um espaço que, para mim, sempre esteve associada à experiência do ser. É na casa que vivenciamos as nuances mais intimas de quem somos. No entanto, a casa paroquial transcende sua função meramente funcional, revelando-se como espaço onde o sagrado e o cotidiano se entrelaçam.

O filósofo nos convida a uma profunda reflexão sobre a natureza do lar. Para o pensador italiano, a casa, muitas vezes, se transforma em um depósito para tudo aquilo que reprimimos, um lugar onde guardamos memórias e sentimentos que não conseguimos expressar publicamente. Paradoxalmente, o espaço doméstico, que deveria ser um refúgio, pode se tornar um fardo, carregando o peso de nossas vidas.

Coccia vai além e nos apresenta a ideia da casa como uma extensão de nós mesmos. Ao decorar e organizar nosso espaço, projetamos nossa personalidade e nossos valores. A casa, assim, se torna um reflexo de quem somos e do que buscamos na vida. O filósofo italiano, ainda, faz uma ousada comparação: a casa contemporânea seria uma espécie de caverna platônica, uma ruína moral de uma humanidade arqueológica. Em outras palavras, sugere que nossas casas modernas se assemelham às cavernas da famosa alegoria de Platão: lugares de sombras e ilusões onde estamos aprisionados por uma falsa realidade. Nesses espaços, nossos lares moldam significativamente nossa percepção do mundo.  

No entanto, o cotidiano de um sacerdote é repleto de atividades: celebração de sacramentos e sacramentais, visitas a doentes, atendimento espiritual aos fiéis, além de encontros pastorais e momentos de lazer, como ir ao teatro, cinema ou academia. Sua rotina inclui caminhadas pelas ruas e refeições em casas de paroquianos ou restaurantes. Apesar de uma agenda intensa, o sacerdote sente a necessidade de retornar à casa paroquial, seja mais cedo ou mais tarde, para descansar e se preparar para os compromissos do dia seguinte.

Por outro lado, muitos párocos retornam para suas residências, que podem ser em diversos locais: apartamentos, residências em outras regiões, condomínios fechados. Essa é a tendência atual, visando preservar a privacidade dos religiosos e estabelecer uma maior distância física entre a paróquia e o local de moradia, evitando assim que os paroquianos os procurem em situações de emergência, seja de natureza humana ou espiritual. Essa tendência, embora ofereça maior privacidade aos sacerdotes, pode gerar desafios para a pastoral, uma vez que limita as oportunidades de contato informal entre o pároco e os membros da comunidade.

A primeira concepção de casa paroquial que me recordo era a de um pároco que conheci: a casa era integrada à Igreja, o que refletia a intima ligação entre o sacerdote e a comunidade. A casa paroquial é o ponto de referência onde mora o pároco e, por isso, é uma extensão da paróquia.  O cânon 533 determina que a casa paroquial seja construída junto à Igreja. O pároco, como extensão da Igreja, é a figura com a qual os paroquianos se identificam. Assim compreendida, a casa paroquial pode adquirir, de fato um locus theologicus.

O Concilio Vaticano II aponta: a moradia do sacerdote deve ser um espaço humilde e acessível, que reflita a simplicidade de sua missão (cf. PO 17).  Hoje, com o conhecimento de inúmeras casas paroquiais e moradia de sacerdotes, percebo que tanto as reformas quanto as construções são frutos das percepções dos ministros ordenados. Estes moldam, nesses espaços, a cultura e a concepção de mundo que possuem, além de expressarem a extensão de suas vidas, formações, ideias, sentimentos e concepções de eclesiologia e cristologia, carregadas desde a consagração.

Assim sendo, podemos dizer que a casa paroquial se configura como um ¨lugar teológico”, um espaço onde a espiritualidade se concretiza no dia a dia. É neste ambiente que o sacerdote encontra o tempo e o espaço necessários para a profunda reflexão sobre os mistérios da fé, para a oração constante e para o estudo das Sagradas Escrituras. A casa paroquial, assim, se torna um lugar de encontro com o divino, um refúgio onde a vida consagrada encontra seu sentido mais profundo. Além disso, ela é um espaço de serviço, onde o sacerdote se prepara para as diversas atividades pastorais para oferecer aos seus fiéis um apoio espiritual. A casa paroquial, portanto, é Igreja doméstica, um lugar onde o sagrado e o humano entrelaçam, formando um espaço de graça e de transformação. Um lugar onde a esperança se renova e onde os laços fraternos se fortalecem. Lugar que referencia a presença do Cristo Bom Pastor no meio do povo.  

Concluindo podemos dizer que as ideias de Emanuele Coccia, afirmando a casa como um reflexo de nossa interioridade, um lugar onde projetamos nossos medos, desejos e aspirações somadas à análise da casa paroquial, nos convidam a repensar a importância desse espaço que torna um locus theologicus, onde a fé se manifesta no cotidiano e a espiritualidade encontra seu habitat. A casa paroquial, portanto, não é apenas um lugar de moradia, mas um santuário onde o sacerdote encontra inspiração, força e a proximidade com o divino para servir à comunidade. Assim, a casa, seja ela doméstica ou paroquial, revela-se como um microcosmo da experiência humana, um espaço onde a vida se desenrola em todas as suas dimensões: física, emocional, intelectual, espiritual e social.



Fonte (Vatican News)

Estamos reproduzindo um artigo do site Vatican news.

A opinião do post não é necessariamente a opinião do nosso blog!

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