Dom Oriolo: O Ministério Ordenado na cultura do cancelamento



Na configuração em Cristo sacerdote, o ministro é chamado a oferecer sua vida em serviço a Deus e à comunidade, buscando a santidade e a reconciliação.

Dom Oriolo – Bispo da Igreja Particular de Leopoldina MG

A cultura do cancelamento, conforme definido pela Wikipédia, é um fenômeno social contemporâneo que se manifesta na exclusão de indivíduos ou grupos de suas posições de destaque, seja no âmbito da influência, seja no da fama. Tal exclusão é desencadeada por ações ou declarações consideradas ofensivas ou controversas, e se concretiza por meio de boicotes e rejeição. As consequências para os afetados são significativas, especialmente para celebridades, que podem perder fãs, contratos e, consequentemente, ver suas carreiras prejudicadas.

Embora a cultura do cancelamento possa ser vista como uma forma de responsabilizar indivíduos por comportamentos inadequados, ela é frequentemente alvo de críticas. Argumenta-se que esse fenômeno pode limitar a liberdade de expressão e gerar agressão coletiva virtual, e o indivíduo ser sumariamente julgado e condenado sem direito à defesa. Os debates acerca dos limites e das consequências da cultura do cancelamento são acalorados, e a sociedade ainda busca encontrar um equilíbrio entre a necessidade de responsabilização e a garantia da liberdade de expressão.

Esse movimento se destaca nas mídias digitais online, como Twitter, Instagram, TikTok e Facebook, com o objetivo de anular carreiras, trabalhos e possíveis influências dentro dos grupos sociais nos quais os indivíduos estão inseridos. A pessoa é exposta por sua conduta e, então, cancelada pelo seu comportamento. No entanto, muitos estão sujeitos a serem cancelados caso digam algo que as pessoas julguem como controverso e preconceituoso.  

A cultura do cancelamento gera uma situação de cautela em relação a certas opiniões emitidas. Manifestações, por vezes impulsivas, revelam princípios e valores que nem sempre encontram ressonância em determinados grupos, pessoas ou instituições que, invariavelmente, demandam respeito. Esse fenômeno pode, inclusive, afetar a Igreja, na pessoa dos ministros ordenados. Um padre, por exemplo, pode sentir-se compelido a apagar uma publicação e a retratar-se publicamente, acuado e com receio de expressar suas opiniões, temendo novas represálias.

O conceito evoca uma conotação de perversidade, caracterizada pela vontade de derrotar ou aniquilar o outro, ainda que digitalmente. Vivemos em uma época em que o pecado social precisa ser abordado com urgência, pois as repercussões e consequências do uso de instrumentos proporcionados pelas plataformas digitais frequentemente escapam ao nosso controle. A tendência de legislar sobre esses excessos é evidente, buscando soluções jurídicas para um problema que transcende a esfera legal. Acredito que o aspecto ético e moral seja um desafio ainda maior, exigindo uma reflexão aprofundada, especialmente para aqueles que exercem funções específicas na comunidade paroquial e eclesial, como ministros ordenados.

Na configuração em Cristo sacerdote, o ministro é chamado a oferecer sua vida em serviço a Deus e à comunidade, buscando a santidade e a reconciliação. A cultura do cancelamento, com sua lógica implacável de julgamento e de punição, pode gerar no sacerdote o medo de expressar suas crenças e convicções, comprometendo sua capacidade de ser um canal da graça divina e de promover a cura interior.

O medo de represálias e de retratações virtuais pode levar o sacerdote a evitar abordar assuntos considerados controversos, como questões de gênero, moral social, sexualidade ou política, por exemplo. Essa autocensura, mesmo que involuntária, limita o debate sadio e a troca de ideias, prejudicando o desenvolvimento de uma fé autêntica e engajada em meio aos desafios do mundo contemporâneo.

Ainda que seja importante reconhecer que algumas falas e atitudes são inaceitáveis e merecem ser questionadas, a cultura do cancelamento, muitas vezes, impede o diálogo construtivo e a possibilidade de mudança e de aprendizado. O ministro ordenado, ao se sentir acuado e ameaçado, pode ter dificuldades em exercer seu papel de guia espiritual e de mediador entre diferentes perspectivas. A liberdade de expressão, fundamental para o exercício do ministério, fica comprometida, e a comunidade de fé como um todo perde a oportunidade de crescer e amadurecer na discussão de temas complexos e relevantes para a vida de seus membros.

Em meio aos desafios da cultura do cancelamento, o ministério sacerdotal pode florescer de forma relevante e transformadora, sem perder a graça do sacramento da ordem. Consciente de sua configuração em Cristo, o ministro é chamado a navegar nesse contexto complexo com sabedoria, expertise e coragem. A cultura do cancelamento, com sua sede de justiça e intolerância, paradoxalmente, revela a necessidade do ministério sacerdotal, pois o mundo precisa de vozes que defendam o Evangelho de Jesus Cristo. Ao exercer o ministério com autenticidade e coragem, o ministro ordenado é um peregrino de esperança numa sociedade fragmentada.

Fortalecido pela graça do sacramento da ordem, o sacerdote não está sozinho. Essa graça o capacita a enfrentar as críticas, superar o medo e perseverar na missão de servir a Deus e à comunidade paroquial. A certeza da presença de Deus em sua vida e ministério é a fonte de sua força e alegria. A cultura do cancelamento apresenta desafios significativos, mas não impede que o ministério sacerdotal seja relevante e transformador. Esse contexto complexo pode ser uma oportunidade para que o sacerdote, configurado em Cristo e fortalecido pela graça do sacramento da ordem, exerça seu ministério com ainda mais entusiasmo e dedicação, sendo um sinal de esperança e de amor em um mundo sedento de Deus.



Fonte (Vatican News)

Estamos reproduzindo um artigo do site Vatican news.

A opinião do post não é necessariamente a opinião do nosso blog!

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