Igreja peregrina da esperança do reino



Francisco nos recorda, tantas vezes, que devemos viver o Jubileu como um tempo propício da graça para nos comprometermos com a construção de um mundo mais justo e solidário.

Joaquim Jocélio de Sousa Costa – Presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte-Ce.

Iniciamos o Ano Santo, ou Jubileu. Na Igreja, essa tradição se iniciou com o Papa Bonifácio VIII em 1300, tinha o objetivo de atrair grandes peregrinações para Roma, anunciando um tempo da graça e do perdão de Deus. A princípio, deveria se realizar a cada 100 anos. Depois se reduziu para 50 até chegar ao intervalo atual, que é de 25 anos. Essa prática dos jubileus tem base bíblica. A Escritura assim prescrevia: “No dia da expiação vocês façam soar a trombeta no país inteiro. Declarem santo o quinquagésimo ano e proclamem a libertação para todos os moradores do país. Será para vocês um ano de júbilo: cada um de vocês recuperará a sua propriedade e voltará para a sua família” (Lv 25,9-10). A cada 50 anos, acontecia esse tempo de alegria, de júbilo (daí “Jubileu”), período no qual a terra deveria descansar, as dívidas deveriam ser perdoadas e os escravizados deveriam ser libertados. Esses anos, portanto, traz um forte compromisso social.

A experiência que Israel teve com Deus lhe revelava como a terra pertencia ao Senhor, os seres humanos eram apenas inquilinos. Logo, era injusto alguém se apossar sozinho da terra e outro ficar sem. Ademais, o ser humano também pertence a Deus. Por isso, a ideia não só de devolução da terra e perdão das divinas no Jubileu, mas também da libertação dos escravizados. Essa experiência foi traduzida nas promessas messiânicas feitas pelos profetas e concretizadas em Jesus: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor (Lc 4,18-19; Cf. Is 61,1-2). Jesus assume para si a profecia de Isaías e entende sua chegada como o grande Jubileu, o grande ano da graça do Senhor. Fiéis a essa tradição bíblia, devemos fazer do Jubileu esse tempo de graça e de libertação, uma vez que somos convidados a viver a autêntica alegria do Evangelho, transformando nossas vidas e o mundo, a fim de vivermos mais plenamente a vontade de Deus. Contudo, o risco é de vermos o Jubileu ser reduzido a caminhadas e momentos festivos, até com certa empolgação e piedade, mas sem converter nossa vida e a sociedade à lógica amorosa e fraterna do Evangelho. O próprio Papa Francisco, durante uma entrevista à emissora de TV Canal Orbe 21, manifestou esse receio: “O Jubileu é um tempo de renovação total, de perdão. Às vezes tenho medo de que o Jubileu se assemelhe a um turismo religioso. O Jubileu, para ser vivido bem, tem que ser de dentro para fora. E, de alguma forma, consertar um pouco as histórias pessoais. Nesse aspecto, é um momento de perdão, um momento de alegria, um momento de recomposição de tantas coisas pessoais e sociais. Um jubileu que se reduza ao turismo não serve. Esse é o perigo e isso me dá muito medo”.

Nesse sentido, Francisco nos recorda, tantas vezes, que devemos viver o Jubileu como um tempo propício da graça para nos comprometermos com a construção de um mundo mais justo e solidário. Na bíblia, o Jubileu iniciava ao toque da trombeta; hoje, o som que nos desperta é outro: “Também nos dias de hoje, o Jubileu é um acontecimento que nos impele a procurar a justiça libertadora de Deus em toda a terra. Em vez da trombeta, no início deste Ano de Graça, nós gostaríamos de estar atentos ao ‘desesperado grito de ajuda’ que, como a voz do sangue de Abel, o justo, se eleva de muitas partes da terra (cf. Gn 4,10) e que Deus nunca deixa de escutar. Nós, por nossa vez, sentimo-nos chamados a unir-nos à voz que denuncia tantas situações de exploração da terra e de opressão do próximo” (Papa Francisco, Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2025). O grito de agonia dos pobres e da terra junto ao nosso grito de denúncia dessas injustiças devem formar o som da trombeta que anuncia este Jubileu. E isso se torna ainda mais pertinente quando pensamos no tema escolhido pelo Papa para ele: A ESPERANÇA.

O cristianismo é a religião da esperança, nossa fé está alicerçada na certeza de que a vida venceu a morte, de que a ressurreição de Jesus nos mostra que nenhum mal é maior que a vida que vem de Deus. Logo, é urgente retomarmos a reflexão sobre a esperança em um mundo onde a dor, a injustiça, a violência e a morte parecem ter cada dia mais força. Diferentemente do que alguns podem pensar, a esperança cristã não é um anestésico que aliena e faz cruzar os braços, esperando algo melhor. Achar que o tema da esperança, nesse Jubileu, é desnecessário ou alienador é desconhecer o que é a esperança cristã. Contudo, também é verdade que uma tentação, sempre presente na vida de quem segue Jesus, é viver a fé de modo intimista, restrito ao âmbito privado. Portanto, existe o perigo do Jubileu ser vivido assim, todavia nada mais contrário a ele do que essa forma de religiosidade. Afinal, “a esperança é incompatível com a vida tranquila dos que não levantam a voz contra o mal e contra as injustiças cometidas diretamente sobre os mais pobres. Pelo contrário, a esperança cristã, ao mesmo tempo que nos convida a esperar pacientemente que o Reino germine e cresça, exige de nós a audácia de antecipar hoje essa promessa, através da nossa responsabilidade, mas não só, através também da nossa compaixão” (Papa Francisco, Homilia na missa de abertura do Jubileu).

Diante do exposta, vale ressaltar que este Jubileu deve ser tempo propício da graça de Deus para renovarmos nossa esperança, comprometidos na transformação pessoal, social, política, econômica, enfim, integral, para que o mundo seja como Deus quer. Nessa perspectiva, em sua mensagem para o Dia Mundial da Paz 2025, o Papa propõe três ações para que este Jubileu nos ajude na construção de um mundo melhor: 1) o perdão da dívida externa dos países pobres; 2) a eliminação da pena de morte e 3) a destinação de um percentual fixo do dinheiro usado nas guerras para a criação de um fundo mundial de combate à fome. Soma-se a essas três ações o olhar sobre os sinais de esperança hoje. Trata-se de perceber que “os sinais dos tempos, que contêm o anélito do coração humano, carecido da presença salvífica de Deus, pedem para ser transformados em sinais de esperança” (SNC 7). O Papa cita alguns deles: a paz, a transmissão da vida, os presos, os doentes, os jovens, os migrantes, os idosos e os pobres (Cf. SNC 8-15).

Este ano jubilar também é tempo de implementação das orientações do Sínodo dos Bispos sobre sinodalidade a partir do seu Documento Final (DF). O objetivo é renovarmos toda a Igreja a partir do Evangelho, sendo esse sopro de esperança para o mundo. Afinal, como o próprio texto diz: “Práticas autênticas de sinodalidade permitem aos Cristãos desenvolver uma cultura capaz de profecia crítica face ao pensamento dominante e, assim, oferecer um contributo peculiar na procura de respostas a muitos dos desafios que as sociedades contemporâneas devem enfrentar e na construção do bem comum” (DF 47). Assim, a sinodalidade é também esperança que move a construir o Reino de Deus. Sinodalidade significa caminhar juntos, e o Jubileu, tempo de graça e de libertação, nos recorda que somos peregrinos da esperança. Por isso, a marcha da esperança, nosso peregrinar é sinodal, é expressão de uma Igreja sempre em movimento, em saída para as periferias. Assim, espera-se que este Jubileu nos ajude a entender que não podemos ser uma Igreja fechada em nossas próprias comodidades, autorreferencial (Cf. EG 49). Que seja, de fato, um tempo propício para assumirmos nossa missão de peregrinos da esperança, homens e mulheres em constante saída, anunciando a Boa Nova aos pobres, a libertação aos oprimidos, o Ano da Graça de Deus (Cf. Lc 4,18-19).



Fonte (Vatican News)

Estamos reproduzindo um artigo do site Vatican news.

A opinião do post não é necessariamente a opinião do nosso blog!

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