O discurso do secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, na abertura dos trabalhos da Assembleia Plenária da Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia, que está sendo realizada até esta sexta-feira (28/03), em Nemi, na Itália. A missão da Igreja na Europa e as relações com a União Europeia, em meio a novas exigências de defesa, solidariedade com o povo ucraniano, migrantes e liberdade religiosa.
Alessandro Di Bussolo – Vatican News
A Europa como um todo deve se tornar mais consciente do seu papel e das suas responsabilidades no mundo, “sem ceder a uma lógica defensiva e a um mero rearmamento que se torna um pródromo de fechamentos e novos conflitos”. E pensar “no bem da Europa não nos isenta de pensar no bem de toda a humanidade”. Portanto, ao buscar as prioridades de “competitividade e defesa” que a Comissão Europeia atribuiu a si mesma em seu novo mandato, “obrigações morais como a ajuda humanitária e o desenvolvimento dos países mais pobres, o respeito pelos direitos humanos e a proteção do meio ambiente não podem ser negligenciadas”. Isso foi enfatizado pelo secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, em discurso na Assembleia Plenária da Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia (Comece), que está sendo realizada na cidade italiana de Nemi até esta sexta-feira, 28 de março. Ele lembrou que “várias organizações, incluindo as católicas, dedicadas à ajuda humanitária, levantaram suas vozes nos últimos dias sobre a forte redução dos recursos que recebem para esses fins”.
A crise da ordem mundial
O discurso do cardeal Parolin tocou em muitas questões atuais para a missão da Igreja na Europa e, mais especificamente, em referência à União Europeia e ao trabalho da Comece. A começar pelo papel político do continente também diante da política externa da nova administração americana, que está questionando “as relações atlânticas desenvolvidas desde 1945 e consideradas por todos como sólidas e duradouras”. A Europa, à qual o Papa Francisco pediu para percorrer o caminho da fraternidade após a pandemia, está hoje, segundo Parolin, diante da crise da ordem mundial “baseada na colaboração entre os Estados e no multilateralismo”, enquanto “parece prevalecer a tentação de pensar apenas em si mesmo, fazendo prevalecer lógicas hegemônicas”.
Paz justa e duradoura na Ucrânia
Sobre o conflito causado pela invasão russa na Ucrânia, o secretário de Estado reiterou o apelo da Santa Sé e da Comece para um “fim negociado da guerra, uma paz justa e duradoura, o respeito ao direito internacional e o esforço conjunto para reconstruir” o país invadido. Diante de observadores da Igreja Católica da Ucrânia, ele lembrou o dever de “estar próximo do povo ucraniano injustamente atacado” e pediu “às partes em conflito e a toda a comunidade internacional que trabalhem por uma solução rápida e justa”.
Europa: bispos em diálogo com instituições
Lembrando as mudanças políticas em muitos estados membros da União Europeia, trazidas à tona pelas eleições de junho de 2024, Parolin convidou as Conferências Episcopais a manter um diálogo aberto e sincero com todas as forças políticas, colaborando “em favor do bem comum, respeitando também a legítima autonomia da esfera política”. Ele enfatizou que “o nosso compromisso em defesa da vida”, da “família fundada no matrimônio entre homem e mulher”, da liberdade de educação, do “respeito pela dignidade de cada pessoa, especialmente as mais frágeis: os jovens, os idosos, os desempregados, os imigrantes e os requerentes de asilo”, não pode ser perdido. Mas o cardeal observou que “mesmo entre os políticos de inspiração cristã, há uma menor consciência dos valores que ajudaram a dar origem às Comunidades Europeias”. É por isso que convidou as Conferências Episcopais a “iniciativas destinadas à conscientização e a formação dos cristãos envolvidos em âmbito político”, e a não serem ‘tímidos’ ao “pedir um maior compromisso de coerência dos políticos católicos para superar as lógicas partidárias”.
Migrantes, solidariedade e respeito aos direitos humanos
Sobre o tema da migração, lembrando o ensinamento do Papa Francisco sobre “nosso dever de acolher, acompanhar e integrar” as pessoas “que estão buscando um futuro melhor para si e para suas famílias”, Parolin espera que a política comum que a União Europeia está tentando definir “seja solidária e respeitosa com os direitos humanos e o mais generosa possível”. Isso sem “deixar de considerar também as questões ligadas à segurança e de desenvolver caminhos de integração adequados”. A tarefa da Comece é dialogar com as instituições para que “nunca deixemos de olhar para os migrantes como pessoas com suas próprias histórias, seus próprios dramas e suas próprias expectativas, e não simplesmente como números”.
O delicado tema dos registros de batismo
Falando da relação de colaboração entre a Secretaria de Estado e a Comissão Episcopal, o cardeal citou o caso da aplicação do Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR). Uma questão “delicada” que afeta a vida de toda a Igreja “e, de certa forma, também a própria libertas ecclesiae”. A referência é ao trabalho “que está sendo realizado em defesa dos registros de batismo, quando eles são ameaçados por recursos ilusórios junto às autoridades nacionais de proteção de dados e agora também em um procedimento perante o Tribunal de Justiça da União Europeia”.
O Sínodo e a “tenda europeia” a ser ampliada
Finalmente, o secretário de Estado lembrou dois eventos eclesiais que são “particularmente significativos para sua missão na Europa”. O primeiro é o Sínodo sobre a sinodalidade: do caminho para chegar ao documento aprovado em outubro, Parolin mencionou a assembleia continental europeia em fevereiro de 2023 e seu tema: “Alarga o espaço da tua tenda, estenda o toldo da tua habitação, sem impedir; aumenta tuas cordas, firma tuas estacas”. Uma bela imagem do profeta Isaías, que pode ser muito bem aplicada à Europa e à sua missão em prol do “respeito pela dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, Estado de direito e respeito pelos direitos humanos, justiça e solidariedade, e igualdade entre homens e mulheres”, como afirma o Tratado da União Europeia. Como há vários países candidatos à adesão à UE, “a Igreja pode contribuir para sua integração, uma vez que as medidas necessárias tenham sido tomadas, de modo a ampliar o espaço da ‘tenda europeia’”.
O Jubileu e o desejo de ver Deus
O segundo evento mencionado pelo cardeal é o Jubileu da Esperança, que viu os bispos da Comece peregrinarem até a Porta Santa de São Pedro em 27 de março. “O mundo e a Europa precisam se abrir novamente para a esperança”, conclui Parolin, uma esperança “não mundana, mas transcendente, que pode realmente satisfazer o desejo mais profundo do homem, que é ver Deus”, como disse o Papa Francisco ao falar de São Bento em seu discurso na Conferência (Re)Thiking Europe, em outubro de 2017. É Jesus Cristo que vive na sua Igreja que é a verdadeira fonte de esperança e de toda a Europa “e a Igreja tem o dever de oferecer novamente esse alegre anúncio também a este nosso velho continente, que de tantas maneiras parece perdido”.