Pedalando sob o olhar de Maria e do Papa: o ‘Giro d’Italia’ passa pelo Vaticano

31/maio/2025


A passagem dos ciclistas no domingo, 1º de junho, pelo território do Vaticano, ao longo da “via mariana”, é uma oportunidade para relembrar algumas reflexões dos Papas sobre esse esporte, também apreciado pelos Pontífices. Em 1946, Pio XII recebeu os participantes da famosa Corrida “Rosa” em etapas e, em 1974, Paulo VI deu a largada para o Giro. Leone irá saudar os atletas durante a passagem.

Amedeo Lomonaco – Vatican News

Os ciclistas que participam este ano do Giro d'Italia, prestigiosa e histórica competição esportiva organizada pela primeira vez em 1909, irão pedalar no domingo, 1º de junho, dentro do Estado da Cidade do Vaticano. O itinerário será entre os verdes e inconfundíveis perfis dos Jardins do Vaticano, onde estão presentes numerosas imagens da Virgem Maria provenientes de diferentes países. Será uma pequena volta ao mundo sob o olhar de Maria, uma “etapa” que antecipa o Jubileu da Esperança, programado para os dias 14 e 15 de junho. O Papa Leão XIV irá saudar os ciclistas durante a passagem pelo Estado do Vaticano, também em memória do Papa Francisco, que acolheu a proposta apresentada pelo cardeal José Tolentino de Mendonça, prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, realizada em conjunto com o Governatorato e a Athletica Vaticana.

O ciclismo e as virtudes da coragem e do altruísmo

É possível compreender o verdadeiro significado da passagem do Giro d'Italia pelo Vaticano através das palavras dirigidas pelo Papa Francisco em 9 de março de 2019 aos participantes do Congresso anual da União Europeia de Ciclismo. “A prática de um esporte”, disse Francisco naquela ocasião, “ensina a não desanimar e a recomeçar com determinação, depois de uma derrota ou de um acidente”.

O ciclismo, em particular, é um dos desportos que mais põe em relevo algumas virtudes, como a resistência ao cansaço — nas subidas longas e difíceis — a coragem — ao tentar uma fuga ou ao enfrentar um sprint — a integridade no respeito pelas regras, o altruísmo e o sentido de grupo. Com efeito, se pensarmos numa das disciplinas mais difundidas, o ciclismo de estrada, vemos que durante as competições o grupo inteiro trabalha unido — gregários, velocistas, escaladores — e muitas vezes deve sacrificar-se pelo capitão. E quando um companheiro passa por um momento de dificuldade, são os seus companheiros de grupo que o sustêm e o acompanham. Assim também na vida é necessário cultivar um espírito de altruísmo, de generosidade e de comunidade para ajudar quem ficou para trás e tem necessidade de auxílio para alcançar um determinado objetivo.

A pedalada no Vaticano

Uma equipe, como disse o Papa Leão XIV ao encontrar o clube de futebol Napoli no último dia 27 de maio, “trabalha em conjunto” e os talentos de cada um “são colocados a serviço do todo”. Os ciclistas que no domingo, 1º de junho, irão pedalar no Vaticano farão parte de uma única equipe, uma comunidade internacional heterogênea que representa a grande família humana.

O percurso dentro da Cidade do Vaticano, o menor Estado do mundo, será entre tesouros da história e da fé ao longo de cerca de 3 quilômetros e meio. Os ciclistas entrarão pela Via Paulo VI através da entrada do Petriano. Pedalarão ao lado da Basílica de São Pedro e depois subirão em direção aos Jardins do Vaticano, passando em frente à Igreja de Santo Estêvão dos Abissínios, à estação ferroviária, na zona do Palácio do Governatorato. Subirão novamente em direção ao mosteiro Mater Ecclesiae, à Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, à Torre de São João e ao heliporto. Em seguida, contornarão as muralhas - ao longo do chamado “percurso mariano” - até o Jardim Quadrado e os Museus do Vaticano. Na avenida dedicada ao esporte, a toponômica lembra as competições promovidas pelo Papa Pio X no início do século XX. Cada metro é patrimônio de história, símbolos e espiritualidade. Os atletas percorrerão, então, a Via delle Fondamenta - ao lado da Capela Sistina e da abside da basílica - para chegar à praça de Santa Marta e sair da Cidade do Vaticano pela Porta sul vicolo del Perugino.

Não uma corrida, mas uma passarela em homenagem ao Papa

Os ciclistas, durante a passagem pelo Vaticano, não estarão em competição. Eles irão pedalar em modo “não competitivo”: será uma verdadeira passarela em homenagem ao Papa no Ano Santo. Eles seguirão em velocidade lenta, acompanhando o carro que os precede. A verdadeira largada da última etapa do Giro d'Italia acontecerá após a saída do Vaticano. O projeto da passagem do Giro d'Italia pela cidade do Vaticano, nascido em 2021 por ocasião da cerimônia de entrega à Athletica Vaticana do certificado de reconhecimento como membro oficial da União Ciclística Internacional, foi organizado pelo Dicastério para a Cultura e a Educação com a Athletica Vaticana, o Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano e o Dicastério para a Comunicação.

Pio XII e o Giro d'Italia de 1946

A história recente dos pontificados cruzou-se, em várias ocasiões, com o mundo do ciclismo. Em 26 de junho de 1946, o Papa Pio XII recebeu os participantes do XXIX Giro d'Italia, antes da etapa de Roma a Perugia. O Papa Pacelli, nessa ocasião, apareceu no balcão central do Pátio de São Damaso e saudou os ciclistas.

Assim que a figura do Pontífice apareceu “na moldura da grande janela”, lê-se no artigo publicado no dia seguinte pelo jornal L'Osservatore Romano, “um aplauso vibrante e gritos repetidos de ‘viva o Papa’ se ergueram da multidão, enquanto os carros de escolta do Giro e as motocicletas celebravam com o característico rugido dos motores e das sirenes seu júbilo”. “O ardor juvenil e o entusiasmo esportivo de vocês", disse Pio XII, "os tornam particularmente queridos ao nosso coração. Vão, portanto, ao sol radiante da Itália, da pátria de vocês, cujas belezas nativas conhecem e da qual querem ser campeões dignos e intrépidos. Vão, ó bravos corredores da corrida terrena e da corrida eterna. Acompanham vocês os nossos votos e as nossas orações”. No final da audiência, os ciclistas e toda a “caravana” do Giro saíram de carro e de bicicleta do Arco delle Campane.

Papa Pacelli e Gino Bartali

As vitórias esportivas também se entrelaçam com grandes virtudes e qualidades morais. Em 7 de setembro de 1947, ainda o Papa Pacelli, recebendo em audiência os delegados da Ação Católica, lembrou em particular as façanhas esportivas de um ciclista:

A dura corrida, da qual fala São Paulo, está em andamento; é hora do esforço intenso. Mesmo alguns instantes podem decidir a vitória. Olhem para o Gino Bartali de vocês, membro da Ação Católica; ele ganhou várias vezes a cobiçada “camisa”. Corram também vocês nesta competição ideal, para conquistarem uma palma muito mais nobre: Sic turrite ut comprehendatis (1 Cor 9, 24).

Passaram-se 25 anos desde a morte de Gino Bartali, declarado Justo entre as Nações. Durante os anos dramáticos da Segunda Guerra Mundial, o campeão toscano das duas rodas transportou documentos falsos durante os treinos para salvar centenas de judeus da ferocidade nazi-fascista. O Papa Pio XII encontrou-se com Bartali em 10 de agosto de 1948, após a vitória no Tour de France. O ciclista apelidado de “Ginettaccio” presenteou o Papa com a camisa amarela naquela ocasião. O L'Osservatore Romano, referindo-se a esse encontro, escreveu que o Papa Pacelli conversou longamente com Bartali, “mostrando-se perfeitamente informado sobre a excepcionalidade da vitória esportiva conquistada pelo valente campeão e renovando seu interesse especial pelas diversas atividades esportivas, das quais nunca podem ser dissociadas qualidades e virtudes morais particulares”.

O Giro d'Italia de 1972

Em 20 de maio de 1972, foi o então patriarca de Veneza, Albino Luciani, quem simbolicamente deu início à 55ª edição do Giro d'Italia, que partiu no dia seguinte do coração da cidade veneziana. "Nada do que é humano — disse na ocasião o patriarca de Veneza, que em 1978 subiria ao trono de Pedro com o nome de João Paulo I — é estranho à Igreja. Ora, se todo esporte é humano, para nós italianos o Giro d'Italia é humaníssimo. Não é apenas uma competição esportiva, é um movimento de massas, uma festa alegre do povo no que diz respeito ao presente; é lenda e epopeia no que diz respeito ao passado“. ”Os olhos“, acrescentou, ”veem os campeões de hoje, mas o coração, especialmente o de nós, idosos, vê atrás deles os campeões de ontem: Girardengo, Binda, Coppi, Bartali. E com os campeões reencontra as emoções de ontem, o entusiasmo pelas escaladas ousadas, pelos passeios solitários nas Dolomitas. Estou aqui, portanto, por amor ao Giro. Mas também por amor a Veneza".

Paulo VI e o Giro de 1974

Em 16 de maio de 1974, o Papa Paulo VI recebeu, no Pátio de São Dâmaso, os participantes da 57ª edição do Giro d'Italia. Naquela ocasião, o Pontífice deu a largada para a corrida ciclística. Os ciclistas saíram do Arco delle Campane depois de percorrerem a Via delle Fondamenta. As palavras do Papa Montini começaram com uma observação histórica.

Pela primeira vez na história, o Giro começa na Cidade do Vaticano. Expressamos nossa satisfação a vocês e aos organizadores da popular competição por terem querido assim enfatizar sua vontade de dar significado ao Ano Santo que está sendo celebrado nas Igrejas locais e que, a partir do próximo Natal, terá aqui em São Pedro, como nas outras basílicas romanas, o ponto de referência irradiador para toda a grande família dos povos. A gente se alegra também por ver ainda válida e vital uma fórmula que tem o seu valor não só espetacular, mas também educativo, de competição generosa, forte, simples, respeitadora dos valores da pessoa: como das virtudes que ela exige e propõe; e como tal a indicamos para o respeito e a emulação, especialmente dos jovens, que devem encontrar em vocês, queridos atletas, não um ideal abstrato, mas uma exemplificação concreta de frugalidade, sacrifício, autocontrole, camaradagem, fraternidade, que os incentive a seguir caminhos retos na difícil jornada da vida.

O Giro de 2000 e João Paulo II

A edição do Giro d'Italia em 2000 coincidiu com o Grande Jubileu. O Papa João Paulo II recebeu os atletas em audiência na véspera do início da popular corrida ciclística. "Toda a atividade desportiva, em nível tanto de amadorismo como de espírito de competição, requer dotes humanos fundamentais, tais como o rigor na preparação, a constância no treinamento, a consciência dos limites das capacidades da pessoa, a lealdade na competição, a aceitação de regras precisas, o respeito pelo adversário, o sentido de solidariedade e de altruísmo. Sem estas qualidades, o desporto reduzir-se-ia a um simples esforço e a uma discutível manifestação de força física sem alma". Antes de dar a bênção, o Pontífice polonês expressou um desejo especial:

Caros amigos, a todos vós que vos preparais para iniciar a Volta à Itália, faço votos por que vivais este importante evento desportivo animados por autêntico "desportismo", isto é, por uma grande paixão agonística, mas também por um forte espírito de solidariedade e de partilha. Guie-vos e assista-vos a celeste protecção de Maria, a quem é dedicada de modo particular o mês de Maio, e que invocais como a vossa especial padroeira com o bonito título de Nossa Senhora do Ghisallo.

Sob o olhar de Maria

Ao lado do Santuário da Bem-Aventurada Virgem Maria del Ghisallo, na província de Como, encontra-se o “monumento ao ciclista”, abençoado por Paulo VI em 4 de julho de 1973. Em 1945, o pároco Pe. Ermelindo Viganò viu passar diante do santuário o Giro de Lombardia, que nos dois anos anteriores havia sido interrompido por causa da guerra. Essa passagem ciclística foi o ponto de partida para uma ideia que nasceu no coração do presbítero lombardo: transformar aquele lugar em um verdadeiro “santuário dos ciclistas”. Essa ideia tornou-se realidade. Em 1949, com a bula papal de Pio XII, a Madonna del Ghisallo foi proclamada Padroeira dos ciclistas, reforçando o vínculo entre a colina e os ciclistas de todo o mundo. Hoje, o olhar de Maria acolhe os olhares e os esforços de tantos corredores, assim como acontecerá no domingo, 1º de junho, no Vaticano.

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