Pietro Parolin: “Na Ucrânia, paz sem humilhação. A tragédia de Gaza é inaceitável”

04/jun/2025


Secretário de Estado Vaticano: "Israel precisa remover urgentemente o bloqueio à ajuda humanitária. A corrida armamentista na Europa é desestabilizadora. Hoje precisamos de um impulso para a paz."

Cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado Vaticano, após a ineficácia da cúpula de Istambul, que medidas devem ser tomadas para tentar deter as hostilidades na Ucrânia?

"O fracasso da cúpula de Istambul não pode e não deve marcar o fim dos esforços para deter a guerra. A Santa Sé, fiel à sua missão de paz, renova com veemência o seu apelo a não se render à lógica da violência e ao falso realismo que consideraria a guerra inevitável. Nenhuma guerra é inevitável, nenhuma paz é impossível. As armas podem e devem se calar para dar lugar à esperança da paz. O Evangelho pede isso e os povos que sofrem gritam isso. O Papa Leão XIV assumiu este compromisso: "Para que esta paz se difunda, farei todo esforço. A Santa Sé está à disposição para que os inimigos se encontrem e se olhem nos olhos, para que aos povos seja restituída a esperança e a dignidade que merecem, a dignidade da paz". Embora a cúpula de Istambul pareça um fracasso, espero que ela possa ser considerada um primeiro passo em direção à paz."

O Pontífice levantou a urgência de uma paz "justa e duradoura" na Ucrânia: o que isso significa concretamente?

Significa, antes de tudo, que não existe paz autêntica se ela for apenas o resultado de uma solução imposta ou do medo recíproco. A verdadeira paz se constrói a partir de dentro, é fruto de um diálogo profundo, respeitoso e sério entre as partes envolvidas. Não se pode falar de paz verdadeira se um país nega a existência de outro país. Uma paz é "justa" quando reconhece e protege a dignidade de todos, sem humilhações, sem condições que deixem feridas abertas. E uma paz entre Estados só é "duradoura" se apoia em fundamentos sólidos do direito internacional, do respeito à justiça e à liberdade, e não em equilíbrios precários garantidos pelas armas. A Igreja e a Santa Sé continuam apoiando tanto os atores internacionais quanto os líderes das Nações, pedindo a todos que não fechem a porta ao diálogo, porque só assim veremos um dia uma paz autêntica, justa e duradoura, assim como aqueles que, muitas vezes no silêncio e na oração, tecem caminhos de paz, porque estes são verdadeiros artesãos da paz.

A corrida armamentista parece estar se acelerando em várias partes do mundo, começando pela União Europeia: qual é a posição da Santa Sé? Como se encaixa o conceito de legítima defesa?

O crescimento dos gastos militares nos últimos anos, cuja dinâmica se intensificou recentemente, demonstra a forte percepção de um mundo inseguro e fragmentado. Embora o compromisso de cada país com a salvaguarda da soberania e da segurança seja legítimo e um dever, devemos sempre nos perguntar em que medida o fortalecimento do poder militar pode ajudar a aumentar a confiança entre as nações e contribuir para a construção de uma paz duradoura. Também é importante sublinhar que o direito à legítima defesa não é absoluto. Deve ser acompanhado não apenas pelo dever de minimizar e, sempre que possível, eliminar as causas profundas ou a ameaça de um conflito, mas também pelo dever de limitar as capacidades militares às necessárias para a segurança e a legítima defesa. O acúmulo excessivo de armas, embora permita uma vantagem estratégica frequentemente almejada, não está isento do risco de alimentar ainda mais a corrida armamentista, fomentar a ameaça e medo do outro, e contribuir para uma desestabilização que pode levar a uma situação dramática para todos. É urgente encontrar um equilíbrio pacífico nas relações internacionais e prosseguir num esforço coordenado para um impulso pacificador rumo ao desarmamento.

O conflito em Gaza continua causando massacres de civis. Qual é a posição da Santa Sé sobre a conduta do governo israelense?

Tal como acontece com outros conflitos, a Santa Sé não concorda com a estratégia da guerra como meio para resolver problemas e, tal como grande parte da comunidade internacional, como grande parte da Comunidade Internacional, pede que o bloqueio da ajuda humanitária seja suspenso com urgência. É aceitável, em 2025, que tenhamos de ver o que está acontecendo em Gaza, onde a população civil está exposta a uma enorme tragédia humanitária. Até o momento, as duas tréguas realizadas resultaram na libertação de mais de 140 reféns, mostrando que a negociação tem a sua eficácia intrínseca, especialmente num contexto tão complexo. Como muitos países esperam, a Santa Sé também acredita que estas negociações devem ser inseridas num processo político que vise resolver a questão israelense e palestina de forma mais abrangente e estabilizar todo o Oriente Médio.

Após as tensões dos últimos meses, a presença do presidente israelense Isaac Herzog na missa inaugural do pontificado de Leão XIV é um sinal de um novo rumo nas relações diplomáticas entre o Vaticano e o mundo judaico?

A Santa Sé nunca fechou a porta a ninguém. Pelo contrário, na última década, se houve um líder no mundo que condenou consistentemente o antissemitismo, sem "se" ou "mas", foi o Papa Francisco, que reiterou várias vezes que "quem é cristão não pode ser antissemita", como reconhecido por muitas comunidades judaicas. Portanto, o Papa Leão XIV continuará desenvolvendo as relações judaico-cristãs, que nunca foram colocadas em dúvida pela parte católica, nem mesmo diante do fenômeno perturbador de alguns judeus que cospem nos cristãos em Jerusalém. Quanto a Herzog, ele é o presidente de um Estado e age num nível diferente da religião, ou seja, o político, que a Santa Sé espera cultivar em vista de um processo de paz justa e duradoura e de questões de interesse comum entre os dois Estados."

Os Estados Unidos e a China parecem caminhar para um novo bipolarismo global. Como essa dinâmica geopolítica e econômica deve ser abordada?

A Santa Sé continua convencida de que o diálogo seja a única via viável para evitar que as divergências entre esses dois países e seus respectivos interesses degenerem em oposição. Neste momento, é necessário evitar o risco de que o conflito entre as duas superpotências seja visto como o único desfecho possível. Nesse sentido, é essencial que Pequim e Washington continuem o diálogo iniciado, buscando reduzir as tensões atuais e encontrar pontos de contato em questões-chave, como comércio e segurança. Da mesma forma, é importante que outros países e organizações internacionais cooperem para o retorno a favor do multilateralismo e para o desenvolvimento de um multipolarismo equilibrado, que garanta a estabilidade global. Diplomacia, respeito recíproco, justiça e transparência são instrumentos indispensáveis ​​para enfrentar esta situação complexa, na busca de soluções que possam promover a paz, o desenvolvimento e a sustentabilidade para todos.

Que significado tiveram os encontros e debates entre líderes mundiais no funeral de Francisco e na missa de posse de Leão XIV?

Acredito que foram um sinal significativo do reconhecimento internacional do compromisso da Santa Sé com a paz. Um compromisso confirmado pelas primeiras palavras do Papa Leão XIV, que foram um apelo sincero para construir pontes juntos. Parece-me que a Comunidade internacional acolheu com interesse e as conversas ocorridas nos dias seguintes centraram-se precisamente na necessidade de pôr fim aos conflitos, reconhecendo o papel crível da Santa Sé na sua resolução.

Artigos Recentes

Rolar para cima