“Como podemos propor a paz se usamos continuamente a intimidação bélica nuclear como recurso legítimo para a resolução de conflitos?”
Andrea Tornielli
Os ventos de guerra, o rearmamento com o uso de enormes investimentos, propostas para o relançamento de armas nucleares… Impressiona a forma como a corrida armamentista é apresentada na Europa e no mundo, como se fosse uma perspectiva inexoravelmente necessária, a única viável. Depois de anos de silêncio na diplomacia e a ausência da capacidade de negociação, parece que o único caminho viável seja o rearmamento. Perturbam-se pais fundadores como Alcide De Gasperi, que apoiava a criação de um exército europeu comum para justificar iniciativas muito diferentes, que não veem a União Europeia como protagonista, mas sim cada um dos Estados. Volta-se a falar de “escudo nuclear” e “dissuasão”, o que revive os piores cenários da Guerra Fria, mas em um clima de maior instabilidade e incerteza do que no século passado, com o abismo de uma Terceira Guerra Mundial cada vez mais próximo. Nos últimos anos, com lucidez profética, o Papa Francisco viu o perigo se aproximando. Suas palavras são iluminantes para a compreensão do momento que estamos vivendo. Damos voz ao Papa, que, internado no Hospital Gemelli, oferece seus sofrimentos e suas orações pela paz no mundo.
“É um dado de fato – disse Francisco em novembro de 2017 – que a espiral da corrida aos armamentos não conhece trégua e que os custos de modernização e desenvolvimento das armas, não só nucleares, representam um item considerável de despesa para as nações, a ponto de ter que pôr em segundo plano as prioridades reais da humanidade sofredora: a luta contra a pobreza, a promoção da paz, a realização de projetos no campo da educação, da ecologia, da saúde e o desenvolvimento dos direitos humanos… As armas que têm como efeito a destruição do gênero humano são inclusive ilógicas a nível militar”.
Em novembro de 2019, em Nagasaki, cidade mártir da bomba atômica, o Bispo de Roma afirmava: “Um dos anseios mais profundos do coração humano é o desejo de paz e estabilidade. A posse de armas nucleares e outras armas de destruição de massa não é a melhor resposta a este desejo; antes, parecem pô-lo continuamente à prova. O nosso mundo vive a dicotomia perversa de querer defender e garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança, que acaba por envenenar as relações entre os povos e impedir a possibilidade de qualquer diálogo”.
E acrescentava: “A paz e a estabilidade internacional são incompatíveis com qualquer tentativa de as construir sobre o medo de mútua destruição ou sobre uma ameaça de aniquilação total. São possíveis só a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço de um futuro modelado pela interdependência e a corresponsabilidade na família humana inteira de hoje e de amanhã”.
Também em novembro de 2019, em Hiroxima, Francisco lembrou, fazendo suas as palavras do Papa Paulo VI, que a verdadeira paz só pode ser uma paz desarmada:
“De fato, se realmente queremos construir uma sociedade mais justa e segura, devemos deixar cair as armas das nossas mãos: ‘Não se pode amar com armas ofensivas nas mãos’ (São Paulo VI, Discurso às Nações Unidas, 4/X/1965, 5). Quando nos rendemos à lógica das armas e afastamos da prática do diálogo, esquecemo-nos tragicamente que as armas, antes mesmo de causar vítimas e ruínas, têm a capacidade de provocar pesadelos, ‘exigem enormes despesas, detêm os projetos de solidariedade e de útil trabalho, falseiam a psicologia dos povos’ (Ibid., 5). Como podemos propor a paz, se usamos continuamente a intimidação bélica nuclear como recurso legítimo para a resolução de conflitos? Que este abismo de sofrimento evoque os limites que jamais se deveriam ultrapassar. A verdadeira paz só pode ser uma paz desarmada!”.
A voz do Sucessor de Pedro, continuava, é “a voz daqueles cuja voz não é escutada e que olham, com preocupação e angústia, as tensões crescentes que permeiam o nosso tempo, as desigualdades inaceitáveis e injustiças que ameaçam a convivência humana, a grave incapacidade de cuidar da nossa casa comum, o contínuo e espasmódico recurso às armas, como se estas pudessem garantir um futuro de paz”.
Depois, a condenação não apenas do uso, mas também da posse de armas nucleares que ainda enchem os arsenais do mundo com tal poder que são capazes de destruir toda a humanidade dezenas de vezes: “Desejo reiterar, com convicção, que o uso da energia atômica para fins de guerra é, hoje mais do que nunca, um crime não só contra o homem e a sua dignidade, mas também contra toda a possibilidade de futuro na nossa casa comum. O uso da energia atômica para fins de guerra é imoral, como é imoral de igual modo – já o disse há dois anos – a posse das armas atômicas. Seremos julgados por isso”.
De acordo com a Federação de Cientistas Americanos, citada no jornal Domani, há 290 ogivas nucleares na Europa sob controle francês e 225 ogivas na Grã-Bretanha. Quase todas as ogivas nucleares – 88% – estão nos arsenais dos Estados Unidos e da Rússia, mais de 5.000 ogivas cada. Ao todo, nove países têm bombas nucleares, além dos já mencionados, China, Índia, Coreia do Norte, Paquistão e Israel. Atualmente, existem mísseis balísticos capazes de liberar um poder destrutivo mil vezes maior do que as bombas lançadas sobre Hiroxima e Nagasaki em 1945. Podemos nos perguntar: será que realmente precisamos de ainda mais armas? Essa é realmente a única maneira de nos defendermos?
“A Igreja Católica – disse o Papa em Nagasaki seis anos atrás – está irrevogavelmente empenhada com a decisão de promover a paz entre os povos e as nações: é um dever ao qual se sente obrigada diante de Deus e perante todos os homens e mulheres desta terra… Com a convicção de que é possível e necessário um mundo sem armas nucleares, peço aos líderes políticos para não se esquecerem de que as mesmas não nos defendem das ameaças à segurança nacional e internacional do nosso tempo”.
Fonte (Vatican News)
Estamos reproduzindo um artigo do site Vatican news.
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