Valentin Mudimbe: um dos pensadores africanos mais influentes

Faleceu a 22-4-25, nos Estados Unidos, o filósofo congolês, Valentin-Yves Mudimbe, autor de obras como “A Invenção da África”. O foco do seu pensamento é a questão epistemológica da produção do saber sobre a África pela própria África. Uma dinâmica que os filósofos Nadia Yala Kisukidi e Severino Elias Nguenha levam a perceber nas suas considerações sobre o autor. E não falta a crónica do editor, Filinto Elísio, sobre esta figura. Tudo na emissão “África em Clave Cultural: personagens e eventos”.

Dulce Araújo – Vatican News 

Quem era Valentin-Yves Mudimbe, qual a importância do seu legado para a África de hoje? Em que consiste exatamente o seu pensamento? E como se aproximar a esse pensamento? São perguntas que pusemos à filósofa Nadia Yala Kisukidi, docente na Universidade de Paria-8 e na Universidade de Nova Iorque, e ao filósofo moçambicano, Severino Elias Nguenha, reitor da Universidade Tecnica de Maputo (UDM). Ambos põem a tónica nos pontos focais do pensamento de Mudimbe, cada um com o seu olhar próprio. 

A filósofa, Nadia Yala  Kisukidi

A filósofa, Nadia Yala Kisukidi

Nadia que se tem dedicado muito à difusão do pensamento e das obras de Mudimbe sobretudo através do ensino universitário, considera que uma forma de se aproximar à obra desse pensador,  é através da literatura, em particular da obra “Entre les Eaux” em que o personagem principal, um padre, se interroga sobre qual o caminho para a libertação da África: o Evangelho, Marx, a Autenticidade?! 

Capa da obra "Entre les Eaux" de Valentim-Yves Mudimbe

Capa da obra “Entre les Eaux” de Valentim-Yves Mudimbe

O filósofo, Severino Elias Nguenha

O filósofo, Severino Elias Nguenha

Para Severino Elias Nguenha que põe em realce o espírito africano do Ubuntu, um bom ponto de íncio, mesmo antes de se aproximar das obras de Mudimbe, é a leitura de “A Aventura Ambigua ” de Cheikh Hamidou Kane. 

Descubra aqui o que dizem e leia a crónica de Filinto Elísio (Rosa de Porcelana Editora) que traça um retrato do filósofo, Mudimbe. 

Crónica 

Valentin-Yves Mudimbe, considerado um dos pensadores africanos mais influentes

Faleceu neste mês de abril, aos 84 anos, nos Estados Unidos da América, o filósofo, escritor, poeta, crítico literário, e professor congolês, Valentin-Yves Mudimbe, considerado um dos pensadores africanos mais influentes de sua geração. 

Mudimbe deixa um legado considerável, propondo novos olhares e pistas epistemológicas, apartados da “bibliografia colonial” e da tendência de rebaixamento da África.

A sua proposta estrutural consistia em descolonizar o conhecimento estabelecido, perspetivado a partir duma África libertada do peso colonial e neo-colonial.

Valentin-Yves Mudimbe nasceu no ano de 1941, em Likasi, antigo Congo Belga e atualmente República Democrática do Congo. Recebeu uma educação clássica dos monges beneditinos, até completar seu noviciado. Aos 21 anos, renunciou à vida religiosa e continuou os seus estudos de filosofia na Bélgica. Valentim Yves Mudimbe posicionou os seus interesses de pesquisa no campo da fenomenologia e do estruturalismo, com foco nas práticas de linguagens quotidianas.

Mudimbe teve uma impressionante trajetória académica. Doutorou-se em Filosofia pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, em 1970, tornando-se um notável pensador, seja através de suas obras que problematizam o que se conhece como história e cultura africana, ou ainda pela oportunidade de trabalhar em instituições universitárias de Paris-Nanterre, Zaire, Stanford, e ainda no Havard College, nos Estados Unidos.

Até à sua morte, Mudimbe foi professor emérito do Programa de Literatura da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e professor titular da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), em Paris.

O seu trabalho, decisivo para a crítica das representações ocidentais sobre o continente africano e para a renovação dos estudos africanos no cenário internacional, teve grande impacto em muitas disciplinas, como a Filosofia, a Sociologia, a Antropologia, a Linguística, a Literatura e a História.

Escreveu romances, artigos e ensaios, destacando-se as obras “A Outra Face do Reino”, em 1973, e depois “O Odor do Pai” em 1982. Em 1988, com o lançamento de “A Invenção da África”, Mudimbe tornou-se conhecido do público de língua inglesa e a filosofia passou a ser o centro exclusivo de sua produção teórica.

Recebeu várias distinções honorárias, incluindo o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Paris VII Diderot, em 1997, da Universidade Católica de Lovaina, o Prémio Herskovits, da Associação de Estudos Africanos pelo seu livro “A Invenção da África”. A Universidade de Lubumbashi criou a “Biblioteca Mudimbe”, onde a extensa obra deste homem de letras pode ser consultada.

Mudimbe desafiou estruturas epistemológicas consolidadas e propôs novas formas de pensar a produção do saber sobre a África, reivindicando o protagonismo dos intelectuais africanos no debate global. Para ele, pensar a África era um gesto indispensável a qualquer instituição verdadeiramente comprometida com a produção e difusão do conhecimento.

Valentin Yves Mudimbe foi um dos grandes pensadores contemporâneos e pós-coloniais, dialogando durante a sua vida com Michel Foucault, Franz Fanon e Jean-Paul Sartre.

Filinto Elísio, poeta, ensaista, editor (Rosa de Porcelana Editora)

Filinto Elísio, poeta, ensaista, editor (Rosa de Porcelana Editora)

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