A força do perdão 60 anos após a carta dos bispos poloneses aos irmãos alemães

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14/dez/2025

A histórica carta de 1965 que uniu Polônia e Alemanha é celebrada em Roma como um pilar da paz no continente.

Num ato que recordou um dos gestos mais proféticos da diplomacia da fé do século XX, as Embaixadas da Polônia e da Alemanha junto à Santa Sé organizaram uma conferência solene na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma. O evento, realizado na tarde da última terça-feira, 9 de dezembro de 2025, celebrou o 60º aniversário da histórica carta de reconciliação enviada pelos bispos católicos da Polônia aos seus irmãos no episcopado alemão em 1965. A conferência contou com a presença de ilustres figuras da Cúria Romana, incluindo o Cardeal Walter Kasper e o Arcebispo Paul Richard Gallagher, Secretário para as Relações com os Estados, que destacaram o impacto duradouro deste ato de coragem cristã.

Um Gesto de Coragem em Plena Guerra Fria

Para compreender a magnitude do evento de 1965, é preciso voltar no tempo. Apenas vinte anos haviam se passado desde o fim da Segunda Guerra Mundial, um conflito que devastou a Polônia e deixou feridas de uma profundidade quase inimaginável entre os dois povos. A Europa estava dividida pela Cortina de Ferro, e a Polônia vivia sob um regime comunista hostil à Igreja. Neste cenário de dor, desconfiança e divisão política, o episcopado polonês, liderado por figuras como o Cardeal Stefan Wyszyński e o então Arcebispo de Cracóvia, Karol Wojtyła (o futuro São João Paulo II), deu um passo audacioso. No contexto do encerramento do Concílio Vaticano II, eles escreveram uma carta aos bispos alemães. A missiva continha uma frase que ecoaria pela história: “Perdoamos e pedimos perdão”. Este ato de humildade evangélica, ao reconhecer o sofrimento infligido mas também pedir perdão por possíveis dores causadas ao povo alemão, rompeu as barreiras do ódio e lançou uma ponte sobre um abismo de ressentimento.

Um Diálogo 'Muito à Frente do seu Tempo'

Durante a conferência na Gregoriana, o Cardeal Walter Kasper, Presidente Emérito do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, descreveu a carta como “uma iniciativa de diálogo muito à frente do seu tempo”. O cardeal alemão enfatizou que, numa era definida pela geopolítica e pelo confronto ideológico, os bispos poloneses escolheram o caminho do Evangelho. Eles não esperaram por tratados políticos ou por condições favoráveis; eles agiram a partir da fé, acreditando que a reconciliação em Cristo era o único fundamento sólido para um futuro de paz. Esta “parresia” (coragem apostólica) foi um testemunho poderoso de que a caridade cristã pode curar as memórias e abrir caminhos onde a política vê apenas impasses. A carta não foi apenas um documento, mas uma semente de esperança plantada no solo árido do pós-guerra.

A Semente Espiritual da Europa Unida

Reforçando essa perspectiva, o Arcebispo Paul Richard Gallagher foi enfático em sua análise. Para o chefe da diplomacia vaticana, o impacto da carta transcende o âmbito eclesial e se torna um pilar da história europeia contemporânea. “Sem a reconciliação que ocorreu entre Polônia e Alemanha, que teve neste ato um de seus momentos fundadores, não existiria a Europa como hoje a conhecemos”, afirmou. Gallagher explicou que este gesto de perdão criou o capital moral e espiritual necessário para os posteriores passos políticos de aproximação, como a Ostpolitik do chanceler Willy Brandt e, eventualmente, a queda do Muro de Berlim. A carta demonstrou que a unidade europeia não poderia ser apenas um projeto econômico ou político, mas precisava de uma alma, de um fundamento ético baseado no perdão, na memória purificada e no reconhecimento da dignidade mútua.

Uma Lição para o Pontificado de Leão XIV

O evento ressoa profundamente com os apelos do Santo Padre, o Papa Leão XIV. Desde o início de seu pontificado em maio deste ano, Sua Santidade tem insistido na necessidade de uma “cultura do encontro” e na coragem de “construir pontes e não muros”. A comemoração deste aniversário serve como um exemplo vivo de suas palavras. Mostra que a paz não é uma utopia, mas o fruto de gestos concretos de perdão, mesmo quando parecem humanamente impossíveis. O testemunho dos bispos poloneses em 1965 continua a ser um farol para a Igreja e para o mundo de hoje, assolado por novas divisões e conflitos. É um lembrete de que a fé, quando vivida com coragem, tem o poder de transformar a história.

Perdão e Esperança: Uma Mensagem para o Advento

Celebrar este ato de reconciliação durante o tempo do Advento é particularmente significativo. Enquanto a Igreja se prepara para acolher o Príncipe da Paz, somos convidados a preparar nossos corações, aplainando os vales do orgulho e endireitando os caminhos tortuosos do rancor. A carta de 1965 foi um ato eminentemente adventício: os bispos prepararam o caminho para um futuro de paz, agindo com a esperança vigilante de quem sabe que um novo tempo é possível em Deus. Eles nos ensinam que perdoar é abrir espaço em nossas vidas e em nossa história para que o Senhor possa nascer de novo, trazendo consigo a luz que dissipa as trevas do ódio e da divisão.

Sessenta anos depois, a mensagem daquela carta permanece tão urgente e necessária como sempre. O perdão oferecido e pedido pelos bispos poloneses e alemães não foi um sinal de fraqueza, mas a maior demonstração de força espiritual, uma força capaz de curar as feridas mais profundas e construir uma paz duradoura.

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Fonte: Vatican News

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